Tom

Prólogo parte 1
Era mais uma noite chuvosa para ele. Noites chuvosas significavam a paz de seu lar e alguma coisa para o relaxar. Geralmente, música alta e alguma cerveja. Porém, essa noite não era igual às muitas outras. Sentia-se impotente, incapaz de superar seus próprios sentimentos e ter forças para seguir a vida. O ritmo da música estava mais lento, o clima, mais denso. Fez uso de um copo baixo e nele derramou absinto. Transformou a fada verde numa espécie de uísque e a apreciou. 

A dor era grande, a perda também. Ele precisava de uma anestesia para tanto sofrimento e, com certeza, a solidão não ajudava. Por mais que já fosse acostumado a viver só, a ter sua casa organizadamente desorganizada, ele precisava de alguém por perto para tomar conta.

Manteve o mesmo ritmo a noite toda: bebia um copo de absinto a cada disco que ouvia. Estava sentado em uma poltrona virada intencionalmente para a janela. Observou os pingos batendo na janela enquanto lia as mensagens que trocaram pela internet e pelo celular. Depois de várias doses amargas de realidade, cedeu para o cansaço mental propiciado pelo absinto. Dormiu.

Prólogo parte 2
Seu trabalho era predominantemente solitário. Fazia quase tudo que necessitava em casa, no seu até então confortável lar. Investiu quae tudo que ganhava neste apartamento, pois era ao mesmo tempo o lugar onde dormia e onde trabalhava, poucas coisas importavam mais.

Mantinha uma restrita lista de amigos com os quais compartilhava seus principais interesses: música, bebidas, comidas e pessoas. Um de seus maiores interesses, quase que paradoxal ao fato de gastar boa parte do tempo sozinho, era observar as pessoas. O fazia das mais diversas maneiras, desde o momento em que fazia compras no supermercado a dois quarteirões de seu apartamento, a ver como as pessoas se relacionavam no que era o maior bicho de sete cabeças da época: a internet e suas redes sociais.

Por mais natural que fosse a evolução das maneiras de se relacionar em grupos, que foi alavancada pelo forte desenvolvimento das telecomunicações, era comum ver vários indivíduos protestando sobre privacidade, exposição indesejada e outras coisas que ele julgava não ter muito nexo. O pensamento era simples: você exibe o que quer. Na internet, ninguém estava obrigando as pessoas a dizerem coisas que eram para ser segredos. Você era responsável por todas suas ações, não tinha o que discutir.

Ele tinha tornado seu dia a dia bastante imprevisível. Trabalhava onde quisesse e na hora que lhe fosse mais conveniente. Isso sem nunca atrasar nem desapontar nenhum cliente. Seu trabalho era observar como os grupos de pessoas viviam e no que isso refletia para os seus contratantes. Muitas vezes era um trabalho chato, repetitivo e estatístico, entretanto lhe agradava muito o fato de ser pago para fazer uma de suas atividades preferidas: observar os diversos comportamentos das pessoas.

Seus amigos advinham principalmente da internet. Antes os conhecer pessoalmente já tinha trocado milhares de mensagens com eles, fazendo com que a primeira vez que se reunissem fosse só a solidificação de relacionamentos que já tinham começado há bastante tempo. E para ele era algo lógico: o mundo digital era o mesmo do mundo ‘real’. A ausência do contato físico não era tão significativa assim, pois as conversas eram as mesmas, embora fosse complicado em alguns momentos explicar algumas expressões e sentimentos.

Sua vida amorosa era alimentada por relacionamentos iniciados quase sempre no mesmo lugar: a Ovelha Negra, um aconchegante bar que ficava no mesmo quarteirão que o seu e que sua proximidade casava perfeitamente com a indisposição de se movimentar para locais longínquos que geralmente lhe ocorria. Era habitué do bar, conhecia os 4 garçons e a caixa pelo nome, uma de suas melhores amigas era a gerente.

Lá, tinha sua mesa quase que cativa. Aparecia pelo menos três vezes por semana, nem que fosse só para tomar o último drink antes de dormir. Estava tão em casa na Ovelha Negra quanto em seu apartamento. Não se sentia confortável em ter a iniciativa em relação às senhoritas que o interessavam. Geralmente, preferia manter-se como uma pessoa misteriosa, porém inteligente e bem humorada. A vida, principalmente no aspecto amoroso, não lhe tinha sido muito bondosa. Ele já sabia que as coisas não eram justas e que só restava fazer o certo para algum dia o certo acontecer com ele.

Hoje, em sua casa, dormia com o coração apertado porque a quem ele mais tinha dedicado atenção e carinho nos últimos meses o tinha trocado por outro. Antoine, o Tom, esperava que seu coração sarasse com o absinto e o tempo. No momento, ele só dormia.

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