Tom 4

[Já leu Tom nº 0nº 1nº 2 e o nº3?]

Finalmente o trabalho havia acabado. Por sua falta de concentração ele tinha demorado mais que o normal, afinal não era todo dia que ele acabava seus relatórios às 20h. Tom estava cansado e estava bastante de saco cheio por causa do dia que tinha tido. O que deu ao seu dia um mínimo de interesse foi a troca de mensagem com Roberta, que acendeu uma esperança de ter alguém que não fosse Alice para lhe confortar. Sabia que inicialmente esse café, se aceito por ela, provavelmente os levaria a um caminho que Tom julgava bom para ele nesse momento. Nada melhor para esquecer o seu perturbado fim de namoro do que o corpo macio e a personalidade contrastante de Roberta.
Entretanto, ela demorava em responder à mensagem. Já tinha passado mais de uma hora desde que Tom havia enviado e nenhum sinal de vida por parte dela. Ele tampouco ficaria em casa olhando para o seu celular e esperando que ela respondesse. Decidiu descer e ir à Ovelha Negra. Nada como uma cerveja para relaxar depois de um dia de trabalho. Andou menos de 2 minutos e já estava na porta do bar. “Puta merda, hoje é segunda-feira. Qualquer lugar aqui estaria fechado, menos a Ovelha Negra, ufa.”
Dessa vez, ele se sentou no balcão do bar. Estava sozinho, não esperava ninguém, só queria descansar. Não era dia de embriagar-se, não era dia de fazer nada, só matar o tempo. Falou com Joab, o bartender, e pediu a habitual cerveja. Gosto amargo, garrafa verde, extremamente gelada. Ele não poderia querer mais nada. Sacou seu celular e fez o habitual check-in no foursquare. Não era só a maneira de dizer a todos seus amigos onde estava, mas também tinha a ver com o orgulho que tinha de segurar a posição de “prefeito” do Ovelha Negra, ou seja, a pessoa que mais esteve no local. Tomou um gole de cerveja, estava estupenda.
Quase uma hora tinha se passado e Tom só tinha feito beber e conversar com Joab e Reginaldo. Conheceu Joab ainda quando era adolescente e ele trabalhava como garçom num restaurante que ficava num shopping center perto da casa de Tom e que ele e seus amigos costumavam ir porque ofereciam uma fonte infinita de refrigerante a um preço irrisório. Enquanto isso, Joab era o garçom mais gente fina da casa e o preferido da turma. Sempre simpático e com um gosto musical bastante apurado, ficava conversando com os então-garotos por vários minutos, até ser chamado por sua sempre furiosa gerente. Velhos tempos, Tom lembrava.
Reginaldo não tinha muita história. De família pobre, saiu da escola para trabalhar e desde então sua vida era passada dentro de bares, servindo os clientes, e na rua, ganhando uns trocados extras vendendo cerveja e refrigerante em dias de festa. Desde sempre gostou de música e de cantar, tinha tido um grupo de pagode com seus amigos e suas habilidades lhe renderam um emprego de garçom-cantor num prestigiado bar da cidade. Lá trabalhou por bastante tempo, até que estava velho e ser demitido sem pena pelo seu chefe. Juan, o dono da Ovelha Negra, sobe aproveitar a oportunidade e o chamou para ser o chefe dos garçons, que Reginaldo sempre falava maître, palavra que tinha aprendido no outro bar. Era um orgulho para ele ter um emprego com o nome francês.
Tom não percebia que estava elucubrando sobre isso e olhou atentamente para os lados procurando alguém que tivesse visto seu momento de transe pessoal. Não, ninguém queria saber de Tom, até Joab estava bastante ocupado com os clientes que haviam chegado recentemente. Talvez todo esse flashback nem tenha durado tanto. Enquanto enchia mais um copo, foi surpreendido com a figura que havia se manifestado ao seu lado. Roberta estava lá, e sem perder muito tempo foi começando a conversa: “Preciso conversar com você”. Tom, espantado, disse: “Boa noite para você também, eu estou ótimo, meu dia não foi tão legal, mas minha noite está sendo, sente-se..”. Ela quase sempre evitava as formalidades. Sabia que todos sabiam, achava que não eram necessarias. Pouco sabia que muitas vezes um pouco de delicadeza ajudava bastante a gerar empatia.
“Tom, acabei o meu namoro.”. “Tá.”. “É serio. Ele era um canalha.”. “Novidade…”. A conversava não impressionava Tom. Era muito previsível, não era o que ele queria. Desde sempre o que lhe atraía eram coisas novas, desafios nunca propostos e a possibilidade de fugir da rotina. Não conseguiu isso da maneira que queria, tanto no trabalho, como nesta conversa com Roberta. Porém, ele tinha paciência e não tinha outro lugar para ir. “Não sei porque comecei. Todo mundo no trabalho pensava que era só para ser promovida. Você sabe que eu nunca fui disso!”. Ela estava bastante agitada, era fácil de ver. E tambem estava falando a verdade, Tom sabia. “Eu sei, eu sei. Fica tranquila que você não só é muito boa no que faz, mas também nunca fez nada de errado nesse sentido. Não tem pra que se estressar com isso.”. “É, mas por que diabos fui me envolver com ele? Não era a beleza dele que me atraía, mas tampouco era o poder. Eu não queria ficar com ele para me achar mais importante, você sabe que eu tenho problemas respeitando a hierarquia.”. “Eu sei, Roberta…”. Tom sabia, era verdade. Mas quando abria a boca não era para dizer alguma coisa marcante que fosse mudar o rumo da conversa. Era apenas para fazer com que ela desabafasse, técnica que aprendeu com Alice ao longo dos anos. E funcionava sempre, sem dúvidas. “O que eu faço agora, Tom? Tenho tanta raiva desse maldito que não consigo mais nem ir trabalhar em paz, pois tenho que olhar para ele. E pior que eu amo o que faço!”. Ela estava visivelmente abalada. Tom não hesitou em chamar Reginaldo e pedir uma cerveja gelada e uma dose de tequila para a moça. A conversa, apesar de previsível, não era o que ele esperava. Em sua imaginação seria algo entre uma booty call e uma abordagem agressiva dela nele. Sentia pena, entendia seu lado. A melhor maneira que ele achava de tratar o caso era suprimindo a dor. A tequila diluída na cerveja iria ajudar no impacto inicial. Depois disso era só dar tempo ao tempo.
Roberta foi bastante condescendente, ela não sabia o que fazer, nem o que esperar da noite. Só queria alguma coisa diferente para pensar da vida, ficar sozinha em casa não era remédio, suas amigas não eram a ajuda que ela precisava. “Beta, fica tranquila que o tempo passa e as coisas se organizam, acredite em mim, você não sabe o quanto estou sofrendo também. Marina era… ah, você sabe, ela era muito importante para mim. Mas foda-se! Vamos ser felizes!”. Roberta não entendeu no primeiro momento a mudança de discurso dele. Repentinamente, o rapaz estava em pé e se dirigia ao Karaokê que Seu Juan tinha colocado lá e que só funcionava às segundas e quartas. Demorou um pouco até ela realizar que tinham cinco garrafas de cerveja debaixo da mesa de Tom. Ele realmente não conseguiria se preocupar muito com os problemas da vida do jeito que estava. Ela estava longe de desejar isso a si própria também. Pediu a Reginaldo mais duas doses de tequila e uma cerveja. A noite só estava começando.

Um pensamento sobre “Tom 4

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