[Já leu Tom nº 0, nº 1, nº 2, nº3, nº4 e o nº5? Mudaram algumas coisas, principalmente a partir do 4.]
Tom rapidamente chegou em casa e não tardou a dormir. A mesma euforia que o álcool o dava era retirada algumas horas depois como se fossem as muletas de sua vontade de permanecer acordado, ele simplesmente não conseguia nem queria resistir. Dormiu e dormiu pesado. Era a madrugada de uma terça-feira e ele não tinha nada marcado para quando acordar. Isso era a melhor coisa do mundo. Não importava ter que trabalhar até meia-noite, o importante era simplesmente não ter uma hora para se levantar, deixar o seu corpo descansar o quanto ele acha que merece. Isso sim é vida, ele sabia.
Mais uma vez a noite de sono não foi das mais tranquilas. Os pesadelos o atormentavam mais uma vez, ele nem sabia por que. Na verdade, não conseguia lembrar de seus sonhos na maioria das vezes. Acabava tentando não se importar com isso ou o que quer que aqueles pesadelos dissessem, mas o mal estar permanecia por bastante tempo. De vez em quando ele achava que era a ressaca, mas provavelmente era os dois.
Levantou-se. Estava meio zonzo ainda, sentia uma dor de cabeça terrivel e a sede que secou o deserto do Saara. Porém isso pouco lhe importava no momento. Tinha uma ideia na cabeça, ideias para Tom vinham nos momentos mais inusitados. O importante era correr para não perder o pensamento, pois na mesma velocidade que chegavam eles sumiam. “Nunca soube porque deveria ser assim, eu que sempre te quis perto de mim, desde pouco tempo atrás, mas que parece uma eternidade”, ele sabia que não era bom de rima. Escrevia poesia e pensava em música, de vez em quando dava certo. Nem sempre era sincero no que escrevia, na maioria das vezes não importava, por que não deixar a imaginação guia-lo e levá-lo a um mundo diferente? Parecia tão óbvio… E ele escrevia sobre amor, era o instinto mais natural, que mais mexia com ele. Raramente tinha conseguido escrever alguma coisa que fugisse disso, na maioria das vezes funcionava e estava satisfeito. Ficou feliz por conseguir escrever logo duas letras. Quando vinha não dava para ser de uma vez só. Ele chegava ao ponto de se contrazier em cinco minutos, nada de novo. A imaginação era dele e mais de ninguém.
Agora sim podia ir atrás de consertar o que tinha de errado com ele: a sede e a dor de cabeça. E o cabelo que encrespava quando ele ir dormir sem tomar banho, genética triste. Ligou o som bem alto, era um vinil de Chuck Berry, tomou um remédio para dor de cabeça, entornou uma garrafa d’água e foi para o chuveiro, onde provavelmente acabou bebendo o dobro do que tinha bebido antes. Saiu do banho dez minutos depois, renovado. Não tinha nem mais remelas para reclamar, tudo parecia perfeito.
Ligou seu computador, viu que ainda eram 10h30 da manhã. Tinha tempo de sobra para colocar as coisas em dia e trabalhar. Quando a tela acendeu, seus primeiros reflexos foram olhar algumas notificações no Facebook para ver se alguém tinha falado dele ou com ele, procurar qual era a causa humanitária do dia em que poderia ajudar curtindo ou compartilhando a imagem a troco de imaginários cinquenta centavos, abominar algumas postagens que ele achava absurdamente desnecessárias e, enfim, colocar sua próxima música do desafio dos 365 dias colocando uma música que lembrava algum momento. Ele estava no 15º dia deste desafio e sabia que não chegaria ate o final. Tampouco se importava.
Rotina social feita, hora de olhar as catástrofes do mundo nos sites de notícia. Não que isso fosse mudar a vida dele, mas de vez em quando aparecia alguma coisa que ele achava importante. O mundo continuava uma desgraça, algumas notícias amarelas tentavam fazer um contraste, e no final das contas era mais do mesmo. Olhando a parte de tecnologia, o de sempre. Alguma empresa lançando alguma coisa, clamando ser algo único, revolucionário e must-have e ele sabia que não passava do mesmo besteirol de sempre. A tecnologia em alguns momentos andava a passos largos, mas na maioria das vezes ia steady as she goes, como ele gostava de dizer. Empresas comprando empresas, parecia até que elas tinham absorvido o comportamento humano de comprar e vender coisas, mas agora era em larga escala. Em uma reunião de poucas horas em algum lugar bastante luxuoso e com uma equipe de 15 pessoas era definido o futuro de dezena de milhares.
Na verdade, Tom achava que boa parte desse sistema estava errado. Não que as empresas não devessem comprar e vender outras empresas menores, mas estava tudo supervalorizado. Parecia que até os grandes presidentes, CEOs, CFOs, e outras siglas chiques, estavam caindo na lábia do produto único e revolucionário, super-ultra-mega-blaster tampa de crush. Davam milhões ou bilhões para coisas que não pareciam fazer muito sentido, até um site de receitas entrou na lista dos controlados do Google pela bagatela de alguns milhões. Tom imaginava o quão felizes deviam estar os fundadores. Era o suficiente para passar a vida sem stress algum. Não que isso fosse acontecer, pois na semana seguinte os caras estariam com alguma ideia e logo logo teriam um zilhão de problemas pra resolver, gastariam boa parte do que tinham ganho para uma tentativa de criar outro negócio que dê certo. Mundo louco, ninguém sabia aonde ia parar ou quando aquela bolha da criação em excesso ia acabar, nem Tom.
Sua barriga roncava e ele não tinha paciência de cozinhar hoje. Mandou uma mensagem para Jameson, seu grande amigo. Era Alice, a anjinha, de um lado, e Jameson, o diabinho, do outro. Os dois tinham tudo para não se gostarem, mas no final das contas acabavam se completando e sendo grandes amigos para Tom. “Brother, estou faminto. Numa ressaca do cão e sem paciência para cozinhar. Vamos comer alguma coisa?”. Jameson, outro compulsivo por tecnologia, logo respondeu “Com certeza! Saio da obra em 20 minutos e vou te pegar, pode ser?”. Ele era um engenheiro bem sucedido. Provavelmente ganhava o dobro de Tom e gastava quase tudo. Ele sabia curtir a vida, Tom adorava isso nele. Foi vestir-se para esperar seu amigo. Sempre pegava carona com ele, evitava dirigir porque sabia que não bastava ser um desastre no volante, também não tinha paciência para o trânsito. O assento do copiloto era seu lugar.