Tom 11

[Este é o décimo primeiro capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

A última coisa que lembrava era do braço de Jameson envolvido em si e guiando-lhe em direção às meninas. Acordou com o sol na cara, estava nu, com o lençol lhe cobrindo. Virou ao lado e percebeu que tinha um corpo a mais em sua cama, isso não era normal há um bom tempo. Não tinha a mínima ideia de quem poderia ser e ficou preocupado. O corpo estava encoberto por seu lençol, imóvel. Tom conferiu se quem estava lá estava vivo. Levantou apenas o suficiente para ver o rosto. Era uma loira, bonita até. A curiosidade foi maior e olhou mais o corpo coberto pelo lençol, estava nu.

Nesse momento, a auto-estima de Tom superou a dor de cabeça da ressaca. Devolveu o lençol a ela, que continuava dormindo, e foi tomar um remédio. Não conseguia de maneira alguma lembrar o nome dela. Jameson o havia apresentado a três amigas, duas morenas e uma loira, mas tinha quase certeza de que não eram a loira não era aquela. Sua memória não estava nem um pouco clara. Olhou o relógio e viu que ainda eram nove da manhã. Sabia que não tinha chegado em casa antes das quatro, mas a ressaca sempre o acordava precocemente. Não ousaria ligar para Jameson tão cedo. Arrependeu-se profundamente de tê-lo feito uma vez e sabia que não valia a pena.

Foi tomar banho – era uma otima oportunidade para tentar lembrar alguma coisa. A água estava bastante quente e Tom mal conseguia manter os olhos abertos. Não percebeu quando a menina surgiu de repente, gritando “Toooom…. Querido! Tá tomando banho, é? Vou aí te ensaboar!” Quando ele viu, a menina já estava ao seu lado, pronta para lhe beijar. Ele era refém dela e não tinha como reagir. Ainda assim, sabia que era a melhor maniera de ser refém, pelo menos.

Apesar de não estar esperando por isso, Tom não negou as carícias. Olhando bem, ele chegou à conclusão de que era melhor aproveitar esse banho do que ficar destilando a ressaca. Banho tomado, a loira foi à cozinha. Parecia ter esquecido a utilidades das roupas, mas não tinha ninguém para reclamar disso. Tom colocou um shorte bem confortável e tentou voltar a dormir. Era complicado até saber se isso tinha sido verdade ou não.

O cansaço de seu corpo era grande, mas sua mente ainda estava bastante agitada. Ficou virando de um ladso para o outro tentando dormir e eventualmente acabou cedendo.

Acordou não com o seu habitual toque de celular, mas com a loira sentada em seu colo. Ela não havia ido embora, como Tom esperava. Pelo contrário, pareceria que queria ficar para sempre. A garota já estava pronta para outra, mas ele não. Sua cabeça tinha falhado em decifrar o fim da noite anterior e isso junto à ressaca não ajudavam seu humor. “Você fica tão bonitinho com o cabelo bagunçado e essa cara feia… vem cá me dar um beijo!” Tom fez uma cara mais feia ainda, mas não conseguiu desviar das investidas.

Quando achou que havia perdido a batalha e já se dava por vencido, seus inexistentes deuses ouviram à sua inexistente prece: a campainha tocou. Apesar de não ter ideia de quem poderia ser, Tom tiroua loira de cima, empurrando-a para o lado e correndo para a porta.

A sua salvadora era uma das pessoas que o conhecia melhor: Alice. Ela tinha um hábito estranho de, se estivesse por perto da casa de alguém ela não ligava para ver saber se podia visitar. Alice simplesmente iria bater na porta e apertar a campainha até alguém aparecer, nem que fossem os vizinhos para reclamar dela.

O sorriso de Tom era o mais genuíno possivel. Achava que não iria escapar daquela ninfomaníaca sem nome. “Oi, Alice! Tudo bom?” “Tom, querido! Estava aqui por perto e vim ver se você estava bem” “Bem eu estou, mas não dá para contar muito agora. Vem, entra e me ajuda!”. Ao passo que Alice foi entrando, ouviu-se de dentro do quarto dele “Tom, meu amorzinho! Quem era? Volte já para a cama que eu quero lhe usar!”. A cara de espanto de Alice se encontrou com o desconcerto no rosto de Tom. Ele precisava de sua amiga para se livrar da desconhecida.

Quando entrou no quarto, Tom tratou de apresentar Alice “Essa é minha amiga Alice, eu tinha marcado de trabalhar com ela hoje e esqueci. Ela é designer”. Alice te ntou mostrar entusiasmo pela historia inventada, “Mas quem trabalha no domingo? Você vai me deixar aqui sozinha??” Ele não conseguia acreditar no que estava ouvindo e toda loucura, somada à sua ressaca e sua habitual impaciência o levaram ao extremo: “Não, quem vai sair e você e vai agora! Não sei nem o seu nome e você já está me chamando de amorzinho? Some daqui!!!”. Tom estava irado.

Sua pele estava vermelha e seu coração estava pulsando num ritmo que ele nunca tinha alcançado. “Renata, meu nome e RÊ-NÁ-TÁ! Seu idiota insensível! Tudo aquilo que você me prometeu ontem, tudo mentira! Ahhhh!”. O grito com certeza devia ter chamado a atenção dos vizinhos, enquanto Alice assistia tudo de camarote. “Eu estava bêbado! Não lembrava nem de você! Sai daqui que eu tenho mais coisa para fazer da minha vida! “Eu vou embora mesmo! Vai lá trepar com essa vadiazinha magrela,aposto que você não consegue nem subir a meio-mastro, fracote!”. Alice estava longe de sentir-se incomodada com os insultos e começou a rir. Renata saiu do apartamento de calcinha e sutia blasfemando Deus e o mundo, enquanto Alice ainda foi caridosa o suficiente para jogar as roupas da menina pela janela.

Esse tipo de loucura raramente acontecia na pacata vida de Tom, mas era do tipo de coisa que Alice adorava. Ela não conseguia parar de rir, enquanto Tom ainda tentava recuperar o bom humor. Ouviu um barulho de lata sendo aberta na cozinha, os trabalhos tinham começado.

Queria ser escritor

Ele andava chateado com seu trabalho, sentia que não tinha nascido pra isso. A burocracia estava comendo suas entranhas e inflamando seus nervos, a indecisão da sua vida tomava suas noites de sono e o sossego de seus fins de semana. Estava difícil achar uma luz no fim do túnel e ele sabia.

Ainda assim, sonhava em ser escritor. Ficaria em casa ouvindo música e escrevendo tudo que surgia de sua imaginação, talvez viajaria também para outros países para coletar o conteúdo do seu próximo livro. Criaria um blog e uma página no Facebook para se relacionar com suas dezenas de milhares de fãs e seria rico. Best-sellers, o glamour das festas de lançamento de livros e todo o relacionamento com a high society.

Não teria de se preocupar com horários, com obrigações, com chefes nem processos inacabados e inacabáveis. Era só sentar e escrever, sentar e escrever, sentar e escrever… Seria um escritor famoso, mas não tinha ideia nem sobre o que falar.  Não lembrava de algum assunto que conhece bem o suficientemente para abordar ou de alguma história interessante ou engraçada e ficava angustiado por saber o que queria fazer e não poder por incapacidade própria.

Na pausa do cafézinho, saiu do escritório e foi andar na rua, tentando pensar em algo interessante para falar. Viu uma apresentação de rua e em um instante se distraiu dos pensamentos que o torturavam.

Tudo que ele queria era ser escritor, mas não escreveu nenhuma palavra e, no final das contas, nunca foi.

Ugo.