[Já leu Tom nº 0, nº 1, nº 2, nº3, nº4, nº5 e nº6 ? Mudaram algumas coisas, principalmente a partir do 4.]
Tom não era um cara de um restaurante só. Ele com certeza gostava de se sentir o clima familiar do seu bar favorito, mas quando falava em almoçar fora ele preferia variar e conhecer o que havia de novo na cidade, um bom hábito que tinha vindo de família. Chegou com Jameson no mais novo restaurante japonês da cidade. Não tinha cara de ser barato e isso não incomodava Tom. Ele não era rico, mas desde sempre um de seus maiores esforços foi garantir dinheiro suficiente para suas principais extravagâncias: comida e bebida. O dinheiro a ser pago na Ovelha Negra ao fim do mês estava sempre reservado e do mesmo jeito era quase impossível faltar alguma coisa para sair para comer.
O maitre, que era um maitre de verdade, ao contrário de Reginaldo, os mostrou uma mesa no meio do salão. Tom não gostava, teria que olhar só para uma parte do restaurante. Gostava de ficar quase encurralado no finalzinho do restaurante, de preferência com a vista para a porta de entrada. A única coisa que pedia era para não ficar preso entre outras cadeiras, odiava sair empurrando o pessoal. Por sorte, havia uma mesa exatamente deste jeito e Tom não hesitou em pedi-la. Uma vez tinha sido bastante tímido, mas a vida fez com que ele largasse o “bastante” e agora dissesse que era apenas tímido, na dele.
O restaurante era lindo, uma verdadeira obra de arte da arquitetura moderna, seja lá o que fosse isso. Ele só sabia que era bonito e de bom gosto. Talvez as luminárias coloridas fossem um pouco exageradas e o pé direito talvez alto demais. Com certeza não queriam fazer um restaurante tradicional japonês, até a música dizia isso. Era um som bem intimista que subia e descia e algumas vezes dava pra perceber que realmente tinha um som tocando, algo do tipo Funk Porcini ou outra coisa assim bem lo-fi e que combinava com a vibe do ambiente.
As pessoas que visitavam esses lugares novos seguiam um padrão. Padrão esse que na verdade era uma série de outros padrões: de classe social, ostentação, exageiro, etc. Provavelmente em um teste cego não saberiam diferenciar, em sua grande maioria, Cidra Cereser de Veuve Clicquot. O importante era estar no point do momento, junto com a sua turminha “descolex”, posando para a coluna social de sua preferência. Tom não se incomodava, pelo menos não muito. Era indiferente demais com esse pessoal para que pudesse o afetar de alguma maneira. Tinha descoberto que era mais fácil deixar cada um na sua, vivendo a vida da maneira como escolheram por mais que discordasse que a função ir a um lugar novo fosse exibir sua presença lá ao invés de provar um mundo novo oferecido por algum restauranteur inspirado.
Jameson era mais simplista ainda. O seu paladar não era dos mais refinados, tinha tido uma formação gastronômica muito tradicional e em sua infância teve pouco acesso a restaurantes gourmet ou qualquer coisa que fugisse do que seus pais estavam habituados. Porém, na medida que foi ganhando dinheiro, começou a viajar para outros países, conhecendo novas culturas, hábitos e paladares. Tom também o tinha ajudado bastante. Conheciam-se desde a época de colégio e sempre que podia, Tom conhecia novas culinárias e falava para Jameson, que não hesitou ir atrás disso quando seus primeiros salários foram depositados.
O almoço deles era sagrado, poucas vezes algum outro amigo se intrometia. Procuravam sempre chegar no restaurante antes das 12 para evitar o horário de pico e poderem apreciar um serviço mais dedicado. Raras vezes saíam antes das duas da tarde, sempre tinham algo a conversar e a pressa quase inexistia para os dois. Nessa tarde não seria diferente.
Na verdade, o papo já começava no carro. O trânsito ajudava a alongar as conversas, algumas vezes podendo durar até uma hora a “viagem” para um simples restaurante. O obstáculo era sempre superado com bastante facilidade. As conversas iam desde música e viagens à vida de mulherengo de Jameson. Tom havia estado comprometido por vários anos com Marina e raramente ele tinha algo interessante a dizer sobre os dois. Jameson, por sua vez, não conseguia um namoro fixo desde que as coisas não tinham dado certo com Mariana, anos e anos atrás.
O garçom os levou o cardápio e perguntou se tinham interesse na carta de vinhos. Os dois negaram em unissom. Não apreciavam vinho e nunca tinham entendido porque. Além do mais Tom não bebia de dia, dava sono no resto da tarde. Pediram de entrada o ceviche, prato mais peruano de todos os japoneses, e alguns sushis flambados com um camarão posto em cima no estilo cereja-do-bolo. Estava excelente, sem dúvida.
Tom, ainda com a comida na boca, abriu a conversa sobre a vida dele: “Cara, fui no domingo pra uma festa do pessoal do colégio. Aquela que tu não pudeste ir pro causa da tua viagem. Encontrei com Alice lá e depois fui pro Ovelha Negra choramingar minha vida amorosa pra ela.”. “E aí, deu em algo?”. “Claro que não, hehe. Na verdade é sempre bom desabafar. Torna o espírito mais leve e pronunciar as palavras faz com que elas se encaixem melhor na nossa cabeça. De vez em quando o pensamento tá muito preso à primeira vez que ele foi concebido e aí fica difícil de mudar, causa até um bloqueio. No final das contas valeu a pena a conversa”. Jameson já sabia o que esperar da conversa de Tom com Alice e não ficou surpreso com o resultado. Enquanto comia o último pedacinho de peixe marinado no leche de tigre, Tom disparou: “Mas o que foi mais interessante não foi nem essa conversa, foi ontem. A ressaca que estou agora veio lá do Ovelha Negra…” ao que foi imediatamente interrompido por Jameson: “Novidade…”, prosseguiu: “É, difícil imaginar de onde teria vindo né?” Deu uma risadinha de compaixão com o amigo. “Estava trabalhando em casa no meio da tarde e de repente recebi uma mensagem de Roberta. Estava querendo conversar comigo e eu sabia que o namoro dela com aquele escroto do trabalho dela tinha acabado. Ela estava precisando de um ombro amigo…”. Jameson não segurou a risadinha maléfica, para ele o significado disso era claro. Para Tom, normalmente não tinha esse segundo entendimento. Cada um operava da sua maneira.
“Ela tentou marcar um café, eu estava de ressaca e sugeri a gente se encontrar hoje. Acabei de trabalhar e fui à Ovelha Negra pra pensar um pouco na vida e fazer um happy hour/jantar daquele jeito de sempre. E não é que a danada apareceu por lá? Viu meu check-in no foursquare e chegou sem avisar. Estava realmente carente, puta da vida com o cara, morrendo de medo de se prejudicar no trabalho.”. “Aí você pegou, falou “não chore, princesa” e agarrou ela?”. “Claro que não, né. Providenciei umas tequilas e cervejas, falei algumas palavras de apoio e fui cantar no karaokê!”. Tom estava rindo, Jameson não podia acreditar, para ele isso era uma oportunidade perdida. “Eu já estava meio embreagado e na hora pareceu que a melhor coisa para animar ela era cantar alguma coisa. O problema é que eu lembrei de Marina quando vi Careless Whisper, aí fiquei emotivo e fui cantar a música. Grande amigo eu fui!”. “Porra, Tom. Que música brega! Teu gosto musical vai do bom ao ruim na mesma velocidade que meu carro vai de zero a cem!”. Tom interrompeu o discurso incendiado de Jameson com um longo “Eeenfiiiim… Eu estava na bad, ela estava na bad, tava uma desgraça sentimental só. Acho que até mandei bem, ensaiei em casa. Ela se levantou depois e cantou um Portishead bem carregado. Cara, que voz ela tem. Me arrepiei todinho. Ela cantou da maneira maneira mais sincera que já vi alguém cantar na vida. Aí ela acabou a música, sentou na minha frente me olhando, se levantou, deu um beijo na testa e foi embora. Fiquei sem saber o que fazer, pra onde ir. Ela me deu um nó na cabeça com estilo.”. Jameson entendia o que tinha acontecido, talvez entendesse até melhor que Tom, mas sabia que essa distração era melhor para o amigo do que as lembranças de um namoro que não deu certo. Preferiu não cortar as esperanças dele. “Putz… é complicado quando elas fazem isso. Abusam da sensualidade e deixam aquele gostinho de quero mais… Ela deu sinal de vida hoje?” “Deu nada, nem no Facebook. Eu dei uma bisbilhotada lá, admito! Deve estar trabalhando. A vida dela é corrida pra caramba.” “Claro que é, Tom, claro que é. Garçom, dois menus confiance por favor. Vamos ver o que esse chef tem de melhor!”. O cara era bom mesmo. Foi um dos melhores almoços que eles tiveram.