Funcionário do Mês

Trocou o anti-inflamatório por whisky e o escritório por um caderno de anotações. Fez a coisa certa. Agora toda sua angústia estava deixada de lado, ao menos momentaneamente.

Seu corpo ainda se recuperava do acidente e ainda não tinha nem tirado os pontos, mas o remédio tinha acabado e uma bebida de quinta categoria certamente era mais barata e servia para o mesmo propósito.

Deitava em sua cama debruçado sobre seu caderno e escrevia o que vinha em mente. Letras nunca musicadas sobre amores que nunca existiram, cartas de ódio para pessoas distantes e poemas sem a mínima noção de estética. Não se incomodava pelo fato de não ser um grande escritor. Na verdade, a ideia do anonimato, uma garrafa de whisky e seu caderno já o agradavam o suficiente.

Queria largar a gravata que apertava sua garganta, o ambiente que lhe sufocava, a infinidade de tarefas que lhe tirava a paciência. Perguntava-se todo dia em que momento as pessoas decidiram trocar a vontade de viver por mais horas de trabalho na sua conta no final do mês.

Era incrível ver o sacrifício de cada um, mas pior ainda era lembrar que ele tinha tido sua cota de loucura nestes cinco anos de seguradora. Era Tom, o funcionário do mês. Aquele que mais havia entregue sua alma ao mundo dos seguros.

Técnicas de negociação infalíveis, resultados invejáveis e uma depressão crescente. Transfundia sua vida por dinheiro e tornava-se cada vez mais um escravo da rotina. Sem família, sem namorada, sem amigos. Apenas colegas de trabalho e nada mais.

Não foram os flashs ou a luz branca que o fizeram perceber o que estava errado em sua vida, mas sim o momento em que pode, após cinco anos sem férias, deitar em sua cama com um whisky e um caderno e, finalmente, perceber que só vivemos uma vez e o tempo passa muito rápido.

 

Tom 11

[Este é o décimo primeiro capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

A última coisa que lembrava era do braço de Jameson envolvido em si e guiando-lhe em direção às meninas. Acordou com o sol na cara, estava nu, com o lençol lhe cobrindo. Virou ao lado e percebeu que tinha um corpo a mais em sua cama, isso não era normal há um bom tempo. Não tinha a mínima ideia de quem poderia ser e ficou preocupado. O corpo estava encoberto por seu lençol, imóvel. Tom conferiu se quem estava lá estava vivo. Levantou apenas o suficiente para ver o rosto. Era uma loira, bonita até. A curiosidade foi maior e olhou mais o corpo coberto pelo lençol, estava nu.

Nesse momento, a auto-estima de Tom superou a dor de cabeça da ressaca. Devolveu o lençol a ela, que continuava dormindo, e foi tomar um remédio. Não conseguia de maneira alguma lembrar o nome dela. Jameson o havia apresentado a três amigas, duas morenas e uma loira, mas tinha quase certeza de que não eram a loira não era aquela. Sua memória não estava nem um pouco clara. Olhou o relógio e viu que ainda eram nove da manhã. Sabia que não tinha chegado em casa antes das quatro, mas a ressaca sempre o acordava precocemente. Não ousaria ligar para Jameson tão cedo. Arrependeu-se profundamente de tê-lo feito uma vez e sabia que não valia a pena.

Foi tomar banho – era uma otima oportunidade para tentar lembrar alguma coisa. A água estava bastante quente e Tom mal conseguia manter os olhos abertos. Não percebeu quando a menina surgiu de repente, gritando “Toooom…. Querido! Tá tomando banho, é? Vou aí te ensaboar!” Quando ele viu, a menina já estava ao seu lado, pronta para lhe beijar. Ele era refém dela e não tinha como reagir. Ainda assim, sabia que era a melhor maniera de ser refém, pelo menos.

Apesar de não estar esperando por isso, Tom não negou as carícias. Olhando bem, ele chegou à conclusão de que era melhor aproveitar esse banho do que ficar destilando a ressaca. Banho tomado, a loira foi à cozinha. Parecia ter esquecido a utilidades das roupas, mas não tinha ninguém para reclamar disso. Tom colocou um shorte bem confortável e tentou voltar a dormir. Era complicado até saber se isso tinha sido verdade ou não.

O cansaço de seu corpo era grande, mas sua mente ainda estava bastante agitada. Ficou virando de um ladso para o outro tentando dormir e eventualmente acabou cedendo.

Acordou não com o seu habitual toque de celular, mas com a loira sentada em seu colo. Ela não havia ido embora, como Tom esperava. Pelo contrário, pareceria que queria ficar para sempre. A garota já estava pronta para outra, mas ele não. Sua cabeça tinha falhado em decifrar o fim da noite anterior e isso junto à ressaca não ajudavam seu humor. “Você fica tão bonitinho com o cabelo bagunçado e essa cara feia… vem cá me dar um beijo!” Tom fez uma cara mais feia ainda, mas não conseguiu desviar das investidas.

Quando achou que havia perdido a batalha e já se dava por vencido, seus inexistentes deuses ouviram à sua inexistente prece: a campainha tocou. Apesar de não ter ideia de quem poderia ser, Tom tiroua loira de cima, empurrando-a para o lado e correndo para a porta.

A sua salvadora era uma das pessoas que o conhecia melhor: Alice. Ela tinha um hábito estranho de, se estivesse por perto da casa de alguém ela não ligava para ver saber se podia visitar. Alice simplesmente iria bater na porta e apertar a campainha até alguém aparecer, nem que fossem os vizinhos para reclamar dela.

O sorriso de Tom era o mais genuíno possivel. Achava que não iria escapar daquela ninfomaníaca sem nome. “Oi, Alice! Tudo bom?” “Tom, querido! Estava aqui por perto e vim ver se você estava bem” “Bem eu estou, mas não dá para contar muito agora. Vem, entra e me ajuda!”. Ao passo que Alice foi entrando, ouviu-se de dentro do quarto dele “Tom, meu amorzinho! Quem era? Volte já para a cama que eu quero lhe usar!”. A cara de espanto de Alice se encontrou com o desconcerto no rosto de Tom. Ele precisava de sua amiga para se livrar da desconhecida.

Quando entrou no quarto, Tom tratou de apresentar Alice “Essa é minha amiga Alice, eu tinha marcado de trabalhar com ela hoje e esqueci. Ela é designer”. Alice te ntou mostrar entusiasmo pela historia inventada, “Mas quem trabalha no domingo? Você vai me deixar aqui sozinha??” Ele não conseguia acreditar no que estava ouvindo e toda loucura, somada à sua ressaca e sua habitual impaciência o levaram ao extremo: “Não, quem vai sair e você e vai agora! Não sei nem o seu nome e você já está me chamando de amorzinho? Some daqui!!!”. Tom estava irado.

Sua pele estava vermelha e seu coração estava pulsando num ritmo que ele nunca tinha alcançado. “Renata, meu nome e RÊ-NÁ-TÁ! Seu idiota insensível! Tudo aquilo que você me prometeu ontem, tudo mentira! Ahhhh!”. O grito com certeza devia ter chamado a atenção dos vizinhos, enquanto Alice assistia tudo de camarote. “Eu estava bêbado! Não lembrava nem de você! Sai daqui que eu tenho mais coisa para fazer da minha vida! “Eu vou embora mesmo! Vai lá trepar com essa vadiazinha magrela,aposto que você não consegue nem subir a meio-mastro, fracote!”. Alice estava longe de sentir-se incomodada com os insultos e começou a rir. Renata saiu do apartamento de calcinha e sutia blasfemando Deus e o mundo, enquanto Alice ainda foi caridosa o suficiente para jogar as roupas da menina pela janela.

Esse tipo de loucura raramente acontecia na pacata vida de Tom, mas era do tipo de coisa que Alice adorava. Ela não conseguia parar de rir, enquanto Tom ainda tentava recuperar o bom humor. Ouviu um barulho de lata sendo aberta na cozinha, os trabalhos tinham começado.

Tom 10

[Esse é o décimo capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

O trajeto foi curto e logo chegaram à festa. Era numa área industrial abandonada e a decoração meio steampunk dava um charme ao local que se não fosse pelo evento estaria abandonado. A maior parte do público estava longe de ser do interesse de Tom. A reforma de um galpão atraía mais uma sociedade que buscava os holofotes, nem que fossem daqueles canhões de luz do Batman. O ligeiro desgosto passou à medida que lhe deram mais uma cerveja. Difícil ter pensamentos negativos quando aquele líquido geladíssimo e amarelo esfriava sua garganta e sua cabeça.

Estava com seus melhores amigos que tudo que tinha que fazer nessa noite era se divertir e isso não parecia ser difícil. A música estava alta e a comunicação comprometida, era uma festa como qualquer outra. Música alta era uma coisa boa, a não ser que o cara do som decidisse estourar o grave além do que os subwoofers aguentavam, senão viraria uma tortura que só os loucos ou os embriagados aguentariam. E a comunicação parecia evoluir, ou quem sabe regredir aos mais básicos instintos em que o olhar e as expressões faciais teriam que dizer tudo. Não era onde Tom se sentia confortável, mas era uma oportunidade de conhecer gente nova, esquecer os problemas e assistir ao show daquela banda estranha que basicamente só ele conhecia.

Rapidamente o trio encontrou outros amigos, gente daquelas que só se via a cada show, festa ou aniversário, mas que ainda assim eram bons amigos. Em momentos como esses não era necessária nenhuma profundidade, só pessoas já conhecidas com quem se podia se divertir. Ainda assim, Tom foi atrás de uma cerveja e uma dose de tequila. Era o mínimo para começar a noite e quebrar as barreiras que ele tinha. O problema era que sua cabeça e seu corpo praticamente só conseguiam lidar com três possíveis estados psicológicos: sóbrio, alegre e embreagadamente alucinado. Ele raramente conseguia ficar em um estado de alcoolemia intermediário em que pudesse estar desinibido e alegre o suficiente, mas não fora de controle como ficava. Era difícil chegar a esse ponto ideal.

Depois de tomar seu shot de abertura, pegou a cerveja e saiu andando ao sentido oposto de seus amigos. Não que quisesse fugir, mas era hábito seu dar um passeio sozinho para ver como estava a festa e ver se havia outras pessoas conhecidas, aquela velha reconhecida de território era inevitável. Ele não era o cara mais conhecido do mundo, mas tinha sua pequena cota de amigos, amigos dos amigos e amigos dos amigos dos amigos. Era o suficiente para ajudar uma festa a ter vários momentos diferentes e Tom não conseguia evitar pulando de galho em galho.

Não viu nada que merecesse muito destaque. Falou com alguns amigos, reencontrou gente que não via desde a última festa em que esteve. Gente até cujo aniversário tinha passado, mas Tom tinha parado de dar parabéns no Facebook por achar superficial demais. Terminada a primeira ronda, repetiu a a tequila e a cerveja e voltou a seus amigos. O DJ estava empolgado com um som bastante diferente do que tinha na época, o que fazia com que boa parte do público se sentisse deslocada e alguns até incomodados, mas só deixava Tom feliz. De The Faint tocando Paranoiattack a The Kills com No Wow, ficava difícil parar de dançar. Esse sentimento continuou por aparentes incontáveis minutos, até que as luzes, que já estavam baixas, apagaram-se quase por todas. Ia começar a grande atração da noite, uma banda que tocava músicas aleatórias sobre desilusões amorosas e misturava com guitarras quase gritantes. Tinham conseguindo quebrar toda a empolgação de Tom sem aparente esforço, não havia muito a se fazer. Foi mais uma vez ao bar. Já era a terceira tequila e provavelmente seria a quinta cerveja. Não tinha ninguém para pedir a ele para moderar no consumo, ele tampouco achava difícil parar.

Até o show acabar já estava difícil manter a conta de quantas cervejas e tequilas tinham sido. A melhor maneira de saber disso era olhar na carteira e deduzir quanto dinheiro tinha sobrado do que tinha-se trazido, mas ninguém se importava muito com isso. A festa ainda continuava, Tom estava imparável outra vez. Ele realmente tinha gostado do coletivo de DJs que tinha organizado essa festa. Não entendia muito bem porque escalaram aquela banda meio nada a ver, mas era a vida, eram as amizades, o dinheiro ou algum outro motivo desprezível. Jameson já estava encostado na parede com a provável terceira garota da noite e provavelmente as outras duas nem sabiam disso, ele so estaria pegando um drink. Alice estava com um grupo de amigos, mais precisamente dando atenção a um cara qualquer que ela tinha achado interessante, mas que seria esquecido um dia depois. As outras pessoas estavam dançando, conversando, fofocando e bebendo.

Tudo normal indo madrugada a dentro, até que Tom, de relance, imaginou ter visto Roberta. Estava confuso e não tinha certeza. Tentou procurá-la por bastante tempo e começou a achar que era uma ilusão, afinal estava bêbado. Mas sua consciência embriagada estava certa. Roberta estava lá. Não pensou muito, afinal não tinha nem cabeça para isso. Foi andando em direção a ela, cumprimentando-a com um abraço bem apertado e com o hálito de álcool mais forte possivel. “Oooi, Beta! Tudo bom??” Ela não respondeu com o mesmo entusiasmo: “Oi, Tom, tudo bom?”. Por não estar bebendo, não tinha mesma empolgação dele. Tom prosseguiu: “Como você está, minha linda??” Estava dotado da autoconfiança que nunca teve sóbrio, mas no pior momento possível. Roberta deu um sorriso natimorto: “Tudo… e com você?” “Estou ótimo, muito bem! Só estava preocupado porque você não tinha dado mais sinal de vida desde aquele dia…” “Ah, estava trabalhando, ocupada, sabe como é, né…?” O desconforto dela era visível para todos, menos para Tom. Quando ele foi responder, apareceu uma mão puxando Roberta e perguntando: “Esta tudo bem, gatinha?”. Tom não identificou facilmente quem estava intervindo na conversa, afinal estava bastante escuro e barulhento. Porém, poucos instantes depois, o canhão de luz, de maneira quase que intencional, mirou na cara: era Luiz, o chefe de Roberta. Eles haviam retomado o namoro e Tom ficou sabendo disso da pior maneira possivel, mas manteve a expressão mais neutra possivel no momento. Roberta disse “Não, querido… É so um amigo meu um pouco bêbado e que estava acabando de dizer que precisava ir ao banheiro. Até mais, Carlos, um beijão!” Ela aproximou-se de Tom, deu-lhe um beijo em cada bochecha e virou-se. Era incrivel como ela conseguia ser cínica de forma tão natural.

Saiu caminhando atordoado. Não entendia muito facilmente o que tinha acontecido. Foi aí que esbarrou com Jameson, que disse “Tom, você está vivo?? Que cara de zumbi é essa? Vem cá, vem tomar um drink e conhecer umas estudantes de educação física que eu encontrei por aqui”.

Tom 9

[Esse é o nono capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

Após de comer e passar algumas horas assistindo seriado, Tom acabou cochilando no sofá. Acordou poucas horas depois com seu celular gritando Never Gonna Give You Up, de Rick Astley. Ninguém entendia porque ele tinha um ringtone tão estranho, ele tampouco se importava muito em explicar. Foi atender e viu que era Jameson. O fogo que seu amigo tinha era inacabável e incontrolável. Sábado nunca era dia de ficar em casa e não havia desculpa. Se fosse depender de Tom, o mais longe que ele iria era na Ovelha Negra tomar uma cerveja antes de findar a noite, mas seu amigo sempre aparecia com alguma proposta para fugir do aconchego de seu lar.

A história de hoje era o show de uma banda de rock local. Tom não lembrava direito nem o que era, mas tinha certeza de que sabia mais da banda do que seus amigos que iam. Na verdade a maior parte deles nem se importava, valia mais a festa, as pessoas e a bebedeira, o som virava consequência. Uma característica de Tom era ter uma memória que conseguia guardar mais detalhes do que ele precisava sobre bandas, gêneros musicais e o mundo da música. Muitas vezes era chamado de chato porque em momentos de embriaguez não conseguia parar de conversar sobre o artista X que estava tocando na banda Y, mas gravou o CD Z com o seu outro amigo. Talvez fosse o assunto certo na roda errada, mas era difícil parar, principalmente depois da quinta cerveja.

Tom não estava 100%. Sentia que seria melhor se ficasse quieto em casa, mas procurava nunca negar os convites de Jameson. O cara raramente arranjava uma roubada e esse “Pedigree” dele deixava Tom mais tranquilo. Vasculhando o Facebook do show/festa/quase-micareta viu que Roberta tinha confirmado sua presença. Ele não sabia como se portar em relação a isso, o misto de querer e não querer o deixava angustiado. Tinha que entorpecer seus sentimentos um pouco e abriu a primeira cerveja. Tinha passado uma ótima noite sem pensar nisso e pela segunda vez esse sentimento estranho voltava para fazer seu coração palpitar.

Uma semana parecia ter sido o suficiente para esquecer todos os meses de sofrimento sem Marina. De certa maneira, sentia-se um viciado. Foi necessária apenas a reinserção de uma pessoa na sua vida e toda uma necessidade tinha sumido e se canalizado em Roberta. Devia chamar isso de vício do amor, síndrome da paixão aguda ou qualquer nome de banda de brega. Tom sabia que não era assim com ele normalmente, mas de vez em quando parecia impossível curar-se. Desapego era uma coisa complicada.

Abriu uma segunda cerveja e começou a se arrumar. Não que isso levasse muito tempo, mas Jameson chegaria em vinte minutos e Tom não gostava de se atrasar. Pouco tempo depois, ja estava quase pronto para sair. As mensagens trocadas com seu amigo significavam que teria cinco minutos para vestir sua calça e calçar seu tênis, exatamente como planejado.

Jameson chegou dirigindo o carro e seu motorista Dinho estava no outro banco da frente, com Alice sentada no banco de trás sozinha. Sempre que estivesse sóbrio, por mais que Dinho estivesse do seu lado, Jameson tinha que estar dirigindo. Desesenvolvia suas habilidades de piloto do asfalto desde sua adolescente, época em que tinha que visitar sua família no interior. O problema era que a necessidade tinha virado vício e seu motorista dirigia menos que o seu patrao.

Alice, como sempre, estava fazendo cara feia e tinha razao. Jameson estava longe de ser o motorista mais prudente da cidade, além de ter um gosto musical demasiadamente eclético, contando com uma seleção especial para impressionar as mulheres. Nem Alice nem Tom achavam isso interessante ou sequer efetivo, mas era Jameson e ele não iria mudar.

Tom 8

[Esse é o oitavo capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

Depois de um almoço excelente, Tom estava bem satisfeito, quase 100% satisfeito. O único problema era que Roberta tinha decidido não dar mais sinais de vida. Essa era a pior parte. Não que aquilo que tinha acontecido um dia antes tivesse sido um encontro ou algo que acarretasse em alguma obrigação por parte dela, mas Tom queria. Tampouco sabia qual era o momento certo para voltar a falar com ela sem parecer desesperado, esse tipo de dinâmicas sociais sempre o assustaram bastante e ele nao tinha lido a cartilha. Preferiu esperar para ver se receberia algum sinal de fumaça da menina.

Jameson o deixou em casa e, assim que saiu, cantou o pneu do carro para chamar a atenção dos transeuntes. Não bastava estar dirigindo o automóvel mais badalado do ano, ele ainda tinha que fazer barulho no meio da rua. Isso já tinha incomodado Tom algum tempo atrás, mas depois fica mais fácil de se acostumar e simplesmente não dar nenhum valor a isso. Esse aprendizado veio com muito custo, pois enquanto seu amigo sempre esteve bastante adaptado à sua vida de engenheiro, Tom ainda tinha aprendido o que queria da vida da maneira mais complicada. Em certos momentos da vida chegava a se questionar se estava fazendo o que queria e se irritava facilmente com algumas coisas que lhe eram pedidas. Foi necessário bastante força de vontade e compreensão para entender que nem sempre dava para fazer so o que ele queria, mas entendia também que fazer papel de bobo estava longe de ser uma opção. Relevou o comportamento de Jameson mais uma vez, não tinha outra coisa a fazer.

Entrando em sua casa fez o de sempre: colocou um vinil aleatório, mas de bom gosto, acendeu o monitor do seu computador, que nunca era desligado, pegou um copo d’água e foi trabalhar. Não tinha nada de novo no fronte. Na verdade, a semana toda foi bastante normal. Trabalho, seriados, comida delivery. Games, mais trabalho, conversas nonsense com amigos, mas praticamente só saindo de casa para comprar pão. Não enviou nenhuma mensagem para Roberta e por mais que apertasse o display de seu celular, não recebeu nada. Talvez aquele surto de carência dela estivesse curado, o de Tom parecia que so tinha começado.

Quando chegou a sexta-feira, alguns amigos de Tom da internet o chamaram para jogar. Eram pessoas que ele conhecia ha anos, falava quase todo dia e ainda assim tinha falado com poucos ao vivo. Alguns mais velhos tinham aproveitado as férias ou alguma viagem a trabalho para visitar Tom e sua cidade. Tom, por sua vez, tinha feito isso algumas vezes e tinha gostado do resultado. Fortaleceu amizades que têm durado bem mais do que algumas começadas com gente que morava bem mais perto e ainda assim conseguia ser infinitamente mais distante. De vez em quando, Tom se questionava se a distância era um fator que ajudava um relacionamento a durar. O último ano, em que passou morando com Marina, tinha sido diferente. De certa maneira, muito bom e intenso, propiciando algo que ele desejava há muito tempo e que parecia que seria para sempre. Sentia prazer em cuidar dela, saber o que ela queria sem que tivesse que perguntar. Ela dizia que ele era um ótimo dono-de-casa. Tom já era um analista de mídias sociais freelancer, Marina era gerente em uma empresa multinacional. Eles pareciam serem opostos perfeitos, mas tinham dado certo ate um ponto. E desde a revelação de Marina e seu amante tudo tinha desmoronado. Talvez um pouco menos de intensidade pudesse ter feito tudo aquilo dar certo, talvez não.

Abriu a primeira cerveja, certificou que o headphone, o mouse e o teclado estavam certinhos e entrou no Skype. Logo estava em uma chamada com quatro grandes amigos e seu jogo estava aberto. Ele não era um grande fã de jogar em equipe. Sempre tinha tido esse lado mais individual mais forte, mas mesmo assim era bom em se adaptar. Isso o tinha feito capitão do seu time no jogo, pois sentia sempre aquela vontade em mandar e guiar o time ao melhor possível. Era difícil ficar calado quando não concordava em alguma coisa. Apesar de serem apenas amadores de um game qualquer num mundo vasto e cada um ter sempre algo mais prioritário para fazer da vida, eram unidos e felizes.

Tom sabia que seria uma noite recheada de emoções. Algumas vezes algum outro amigo dele o questionava, dizendo que jogo, ou “joguinho”, era coisa de criança. Era algo extremamente irritante, mas ao mesmo tempo dava abertura a um discurso ensaiado infinitamente por ele. Cada pessoa tinha seu passatempo. Cada pessoa usava seu tempo da maneira como bem preferia. Por que diabos há pessoas que acham que todos são iguais? Isso é a coisa mais impossível e absurda de todas. Tinha gente que preferia passar a noite bebendo em um bar, tinha gente que preferia ir para um show, uma festa, uma balada, um culto ou sei lá o que. Não há um padrão de comportamento pra todos e, caso alguém tivesse inventado, Tom dizia que seria o primeiro a intervir e dizer que não era verdade. Para ele, a sexta-feira era um ótimo dia para desopilar e esquecer a semana de trabalho, tomando uma cervejada gelada e jogando com grandes amigos, ainda que não fosse presencialmente.

Nesta noite em questao, Tom estava empolgado. Não só teve um bom desempenho, como também conseguiu tomar todas as cervejas que tinha na geladeira. E não eram poucas. Do meio da noite até seu fim as pessoas nao entendiam muito bem o que ele queria dizer. Tampouco se importavam, uma vez que quase todos estavam longe de sobriedade. Com o passar das horas Tom e seus amigos cada vez mais iam tendo um desempenho pior. Não conseguiam levar o jogo a sério. A alegria e todo o álcool que transpirava de cada um tinha eliminado qualquer preocupação, era quase uma morfina.

O efeito foi tão forte que Tom só se lembrava ter acordado no dia seguinte com uma enorme dor de cabeça. Um dos primeiros reflexos foi ligar o celular e ver se algué mtinha tentado falar com ele. Tinha uma mensagem. Na hora, ressaca, sede, dor de cabeça e qualquer outro tipo de mal-estar tinham sumido. Roberta tinha mandado alguma mensagem e ele não tinha visto. Destravou seu celular e apertou imediatamente no ícone de mensagens. Quando viu, era Alice. Tinha perguntado se Tom ia sair ou o que ele iria fazer, o barulho e toda a bagunça da noite passada tinham feito tanto o celular como qualquer pensamento sobre Roberta passarem batidos. Tinha sido um alívio necessário para uma mente perturbada como a dele. Com o susto passado, disse a Alice o que tinha acontecido e perguntou sobre o que ela iria fazer, afinal era sábado e Tom normalmente não ficava em casa.

Mensagem enviada, consciência um pouco aliviada e o coração ainda palpitando um pouco. Foi tomar seu banho, alguns copos d’água e um remédio para dor de cabeça. Vestiu-se e foi correndo na kebaberia que ficava a alguns quarteirões de casa. Tomava remédio só porque sempre tinha, mas para ele o que salvava uma pessoa da ressaca era um bom kebab acompanhado de batatas fritas e uma Coca-Cola gelada. Isso sim era a receita da salvação de um fígado debilitado.

Voltou rapidamente para casa com uma delícia cilíndrica que comprimia o melhor dos pães sírios, uma carne esfacelada e deliciosa, diversas verduras e um casal de molhos perfeitos: um molho branco à base de iogurte e um molho vermelho à base de tomate. Dividiu o kebab em dois com uma faca, preparou uma jarra que ele tinha comprado na Ovelha Negra e que, segundo diziam, cabia quase 600ml de qualquer líquido, com muito gelo, rodelas de limão e a Coca. Para completar, uma recém-feita porção de fritas. Era isso, um seriado, tchau e bênção. Não precisava de mais nada neste dia.

Tom 7

[Já leu Tom nº 0nº 1nº 2,  nº3nº4nº5 e nº6 ? Mudaram algumas coisas, principalmente a partir do 4.]

Tom não era um cara de um restaurante só. Ele com certeza gostava de se sentir o clima familiar do seu bar favorito, mas quando falava em almoçar fora ele preferia variar e conhecer o que havia de novo na cidade, um bom hábito que tinha vindo de família. Chegou com Jameson no mais novo restaurante japonês da cidade. Não tinha cara de ser barato e isso não incomodava Tom. Ele não era rico, mas desde sempre um de seus maiores esforços foi garantir dinheiro suficiente para suas principais extravagâncias: comida e bebida. O dinheiro a ser pago na Ovelha Negra ao fim do mês estava sempre reservado e do mesmo jeito era quase impossível faltar alguma coisa para sair para comer.

O maitre, que era um maitre de verdade, ao contrário de Reginaldo, os mostrou uma mesa no meio do salão. Tom não gostava, teria que olhar só para uma parte do restaurante. Gostava de ficar quase encurralado no finalzinho do restaurante, de preferência com a vista para a porta de entrada. A única coisa que pedia era para não ficar preso entre outras cadeiras, odiava sair empurrando o pessoal. Por sorte, havia uma mesa exatamente deste jeito e Tom não hesitou em pedi-la. Uma vez tinha sido bastante tímido, mas a vida fez com que ele largasse o “bastante” e agora dissesse que era apenas tímido, na dele.

O restaurante era lindo, uma verdadeira obra de arte da arquitetura moderna, seja lá o que fosse isso. Ele só sabia que era bonito e de bom gosto. Talvez as luminárias coloridas fossem um pouco exageradas e o pé direito talvez alto demais. Com certeza não queriam fazer um restaurante tradicional japonês, até a música dizia isso. Era um som bem intimista que subia e descia e algumas vezes dava pra perceber que realmente tinha um som tocando, algo do tipo Funk Porcini ou outra coisa assim bem lo-fi e que combinava com a vibe do ambiente.

As pessoas que visitavam esses lugares novos seguiam um padrão. Padrão esse que na verdade era uma série de outros padrões: de classe social, ostentação, exageiro, etc. Provavelmente em um teste cego não saberiam diferenciar, em sua grande maioria, Cidra Cereser de Veuve Clicquot. O importante era estar no point do momento, junto com a sua turminha “descolex”, posando para a coluna social de sua preferência. Tom não se incomodava, pelo menos não muito. Era indiferente demais com esse pessoal para que pudesse o afetar de alguma maneira. Tinha descoberto que era mais fácil deixar cada um na sua, vivendo a vida da maneira como escolheram por mais que discordasse que a função ir a um lugar novo fosse exibir sua presença lá ao invés de provar um mundo novo oferecido por algum restauranteur inspirado.

Jameson era mais simplista ainda. O seu paladar não era dos mais refinados, tinha tido uma formação gastronômica muito tradicional e em sua infância teve pouco acesso a restaurantes gourmet ou qualquer coisa que fugisse do que seus pais estavam habituados. Porém, na medida que foi ganhando dinheiro, começou a viajar para outros países, conhecendo novas culturas, hábitos e paladares. Tom também o tinha ajudado bastante. Conheciam-se desde a época de colégio e sempre que podia, Tom conhecia novas culinárias e falava para Jameson, que não hesitou ir atrás disso quando seus primeiros salários foram depositados.

O almoço deles era sagrado, poucas vezes algum outro amigo se intrometia. Procuravam sempre chegar no restaurante antes das 12 para evitar o horário de pico e poderem apreciar um serviço mais dedicado. Raras vezes saíam antes das duas da tarde, sempre tinham algo a conversar e a pressa quase inexistia para os dois. Nessa tarde não seria diferente.

Na verdade, o papo já começava no carro. O trânsito ajudava a alongar as conversas, algumas vezes podendo durar até uma hora a “viagem” para um simples restaurante. O obstáculo era sempre superado com bastante facilidade. As conversas iam desde música e viagens à vida de mulherengo de Jameson. Tom havia estado comprometido por vários anos com Marina e raramente ele tinha algo interessante a dizer sobre os dois. Jameson, por sua vez, não conseguia um namoro fixo desde que as coisas não tinham dado certo com Mariana, anos e anos atrás.

O garçom os levou o cardápio e perguntou se tinham interesse na carta de vinhos. Os dois negaram em unissom. Não apreciavam vinho e nunca tinham entendido porque. Além do mais Tom não bebia de dia, dava sono no resto da tarde. Pediram de entrada o ceviche, prato mais peruano de todos os japoneses, e alguns sushis flambados com um camarão posto em cima no estilo cereja-do-bolo. Estava excelente, sem dúvida.

Tom, ainda com a comida na boca, abriu a conversa sobre a vida dele: “Cara, fui no domingo pra uma festa do pessoal do colégio. Aquela que tu não pudeste ir pro causa da tua viagem. Encontrei com Alice lá e depois fui pro Ovelha Negra choramingar minha vida amorosa pra ela.”. “E aí, deu em algo?”. “Claro que não, hehe. Na verdade é sempre bom desabafar. Torna o espírito mais leve e pronunciar as palavras faz com que elas se encaixem melhor na nossa cabeça. De vez em quando o pensamento tá muito preso à primeira vez que ele foi concebido e aí fica difícil de mudar, causa até um bloqueio. No final das contas valeu a pena a conversa”. Jameson já sabia o que esperar da conversa de Tom com Alice e não ficou surpreso com o resultado. Enquanto comia o último pedacinho de peixe marinado no leche de tigre, Tom disparou: “Mas o que foi mais interessante não foi nem essa conversa, foi ontem. A ressaca que estou agora veio lá do Ovelha Negra…” ao que foi imediatamente interrompido por Jameson: “Novidade…”, prosseguiu: “É, difícil imaginar de onde teria vindo né?” Deu uma risadinha de compaixão com o amigo. “Estava trabalhando em casa no meio da tarde e de repente recebi uma mensagem de Roberta. Estava querendo conversar comigo e eu sabia que o namoro dela com aquele escroto do trabalho dela tinha acabado. Ela estava precisando de um ombro amigo…”. Jameson não segurou a risadinha maléfica, para ele o significado disso era claro. Para Tom, normalmente não tinha esse segundo entendimento. Cada um operava da sua maneira.

“Ela tentou marcar um café, eu estava de ressaca e sugeri a gente se encontrar hoje. Acabei de trabalhar e fui à Ovelha Negra pra pensar um pouco na vida e fazer um happy hour/jantar daquele jeito de sempre. E não é que a danada apareceu por lá? Viu meu check-in no foursquare e chegou sem avisar. Estava realmente carente, puta da vida com o cara, morrendo de medo de se prejudicar no trabalho.”. “Aí você pegou, falou “não chore, princesa” e agarrou ela?”. “Claro que não, né. Providenciei umas tequilas e cervejas, falei algumas palavras de apoio e fui cantar no karaokê!”. Tom estava rindo, Jameson não podia acreditar, para ele isso era uma oportunidade perdida. “Eu já estava meio embreagado e na hora pareceu que a melhor coisa para animar ela era cantar alguma coisa. O problema é que eu lembrei de Marina quando vi Careless Whisper, aí fiquei emotivo e fui cantar a música. Grande amigo eu fui!”. “Porra, Tom. Que música brega! Teu gosto musical vai do bom ao ruim na mesma velocidade que meu carro vai de zero a cem!”. Tom interrompeu o discurso incendiado de Jameson com um longo “Eeenfiiiim… Eu estava na bad, ela estava na bad, tava uma desgraça sentimental só. Acho que até mandei bem, ensaiei em casa. Ela se levantou depois e cantou um Portishead bem carregado. Cara, que voz ela tem. Me arrepiei todinho. Ela cantou da maneira maneira mais sincera que já vi alguém cantar na vida. Aí ela acabou a música, sentou na minha frente me olhando, se levantou, deu um beijo na testa e foi embora. Fiquei sem saber o que fazer, pra onde ir. Ela me deu um nó na cabeça com estilo.”. Jameson entendia o que tinha acontecido, talvez entendesse até melhor que Tom, mas sabia que essa distração era melhor para o amigo do que as lembranças de um namoro que não deu certo. Preferiu não cortar as esperanças dele. “Putz… é complicado quando elas fazem isso. Abusam da sensualidade e deixam aquele gostinho de quero mais… Ela deu sinal de vida hoje?” “Deu nada, nem no Facebook. Eu dei uma bisbilhotada lá, admito! Deve estar trabalhando. A vida dela é corrida pra caramba.” “Claro que é, Tom, claro que é. Garçom, dois menus confiance por favor. Vamos ver o que esse chef tem de melhor!”. O cara era bom mesmo. Foi um dos melhores almoços que eles tiveram.

Tom 6

[Já leu Tom nº 0nº 1nº 2,  nº3nº4 e o nº5? Mudaram algumas coisas, principalmente a partir do 4.]

Tom rapidamente chegou em casa e não tardou a dormir. A mesma euforia que o álcool o dava era retirada algumas horas depois como se fossem as muletas de sua vontade de permanecer acordado, ele simplesmente não conseguia nem queria resistir. Dormiu e dormiu pesado. Era a madrugada de uma terça-feira e ele não tinha nada marcado para quando acordar. Isso era a melhor coisa do mundo. Não importava ter que trabalhar até meia-noite, o importante era simplesmente não ter uma hora para se levantar, deixar o seu corpo descansar o quanto ele acha que merece. Isso sim é vida, ele sabia.

Mais uma vez a noite de sono não foi das mais tranquilas. Os pesadelos o atormentavam mais uma vez, ele nem sabia por que. Na verdade, não conseguia lembrar de seus sonhos na maioria das vezes. Acabava tentando não se importar com isso ou o que quer que aqueles pesadelos dissessem, mas o mal estar permanecia por bastante tempo. De vez em quando ele achava que era a ressaca, mas provavelmente era os dois.

Levantou-se. Estava meio zonzo ainda, sentia uma dor de cabeça terrivel e a sede que secou o deserto do Saara. Porém isso pouco lhe importava no momento. Tinha uma ideia na cabeça, ideias para Tom vinham nos momentos mais inusitados. O importante era correr para não perder o pensamento, pois na mesma velocidade que chegavam eles sumiam. “Nunca soube porque deveria ser assim, eu que sempre te quis perto de mim, desde pouco tempo atrás, mas que parece uma eternidade”, ele sabia que não era bom de rima. Escrevia poesia e pensava em música, de vez em quando dava certo. Nem sempre era sincero no que escrevia, na maioria das vezes não importava, por que não deixar a imaginação guia-lo e levá-lo a um mundo diferente? Parecia tão óbvio… E ele escrevia sobre amor, era o instinto mais natural, que mais mexia com ele. Raramente tinha conseguido escrever alguma coisa que fugisse disso, na maioria das vezes funcionava e estava satisfeito. Ficou feliz por conseguir escrever logo duas letras. Quando vinha não dava para ser de uma vez só. Ele chegava ao ponto de se contrazier em cinco minutos, nada de novo. A imaginação era dele e mais de ninguém.

Agora sim podia ir atrás de consertar o que tinha de errado com ele: a sede e a dor de cabeça. E o cabelo que encrespava quando ele ir dormir sem tomar banho, genética triste. Ligou o som bem alto, era um vinil de Chuck Berry, tomou um remédio para dor de cabeça, entornou uma garrafa d’água e foi para o chuveiro, onde provavelmente acabou bebendo o dobro do que tinha bebido antes. Saiu do banho dez minutos depois, renovado. Não tinha nem mais remelas para reclamar, tudo parecia perfeito.

Ligou seu computador, viu que ainda eram 10h30 da manhã. Tinha tempo de sobra para colocar as coisas em dia e trabalhar. Quando a tela acendeu, seus primeiros reflexos foram olhar algumas notificações no Facebook para ver se alguém tinha falado dele ou com ele, procurar qual era a causa humanitária do dia em que poderia ajudar curtindo ou compartilhando a imagem a troco de imaginários cinquenta centavos, abominar algumas postagens que ele achava absurdamente desnecessárias e, enfim, colocar sua próxima música do desafio dos 365 dias colocando uma música que lembrava algum momento. Ele estava no 15º dia deste desafio e sabia que não chegaria ate o final. Tampouco se importava.

Rotina social feita, hora de olhar as catástrofes do mundo nos sites de notícia. Não que isso fosse mudar a vida dele, mas de vez em quando aparecia alguma coisa que ele achava importante. O mundo continuava uma desgraça, algumas notícias amarelas tentavam fazer um contraste, e no final das contas era mais do mesmo. Olhando a parte de tecnologia, o de sempre. Alguma empresa lançando alguma coisa, clamando ser algo único, revolucionário e must-have e ele sabia que não passava do mesmo besteirol de sempre. A tecnologia em alguns momentos andava a passos largos, mas na maioria das vezes ia steady as she goes, como ele gostava de dizer. Empresas comprando empresas, parecia até que elas tinham absorvido o comportamento humano de comprar e vender coisas, mas agora era em larga escala. Em uma reunião de poucas horas em algum lugar bastante luxuoso e com uma equipe de 15 pessoas era definido o futuro de dezena de milhares.

Na verdade, Tom achava que boa parte desse sistema estava errado. Não que as empresas não devessem comprar e vender outras empresas menores, mas estava tudo supervalorizado. Parecia que até os grandes presidentes, CEOs, CFOs, e outras siglas chiques, estavam caindo na lábia do produto único e revolucionário, super-ultra-mega-blaster tampa de crush. Davam milhões ou bilhões para coisas que não pareciam fazer muito sentido, até um site de receitas entrou na lista dos controlados do Google pela bagatela de alguns milhões. Tom imaginava o quão felizes deviam estar os fundadores. Era o suficiente para passar a vida sem stress algum. Não que isso fosse acontecer, pois na semana seguinte os caras estariam com alguma ideia e logo logo teriam um zilhão de problemas pra resolver, gastariam boa parte do que tinham ganho para uma tentativa de criar outro negócio que dê certo. Mundo louco, ninguém sabia aonde ia parar ou quando aquela bolha da criação em excesso ia acabar, nem Tom.

Sua barriga roncava e ele não tinha paciência de cozinhar hoje. Mandou uma mensagem para Jameson, seu grande amigo. Era Alice, a anjinha, de um lado, e Jameson, o diabinho, do outro. Os dois tinham tudo para não se gostarem, mas no final das contas acabavam se completando e sendo grandes amigos para Tom. “Brother, estou faminto. Numa ressaca do cão e sem paciência para cozinhar. Vamos comer alguma coisa?”. Jameson, outro compulsivo por tecnologia, logo respondeu “Com certeza! Saio da obra em 20 minutos e vou te pegar, pode ser?”. Ele era um engenheiro bem sucedido. Provavelmente ganhava o dobro de Tom e gastava quase tudo. Ele sabia curtir a vida, Tom adorava isso nele. Foi vestir-se para esperar seu amigo. Sempre pegava carona com ele, evitava dirigir porque sabia que não bastava ser um desastre no volante, também não tinha paciência para o trânsito. O assento do copiloto era seu lugar.

Tom 5

[Já leu Tom nº 0, nº 1, nº 2,  nº3 e nº4? Mudaram algumas coisas, principalmente o 4.]

Tom não sabia cantar. Isso não era novidade e pouco lhe importava no momento. Na verdade, nada importava, nem a música, pois parecia que ele estava perdido no tempo e no espaço ao cantar Careless Whisper, de George Michael, com a maior empolgação da sua vida. Estava eufórico e a música, por si só era depressiva. Não fazia sentido, mas o sax imaginário era mais forte do que a razão. Ele suava e estava feliz, sabia disso. Quando acabou a música, só três pessoas do quase vazio bar aplaudiram: os funcionários-amigos Reginaldo e Joab, e Roberta, que ainda estava sentada quando a música acabou, mas logo se levantou para pedir a vez no microfone. Ela ainda não estava no mesmo nível de transe de Tom, mas as tequilas estavam começando a surtir o efeito que ela queria.

Ela não estava tão animada como Tom. Colocou Sweet Times do Portishead. Era estranho como aquele Karaokê tinha algumas seleções inimagináveis. Deus sabia lá a quem Seu Juan tinha comprado ou como tinha colocado aquelas músicas. Ela sim sabia cantar. Assim que ela começou o refrão “cause nobody loves me… it’s true”, as pessoas começaram a prestar atenção de verdade. O sofrimento na voz dela era belo, acalmou o ânimo de Tom quase instantaneamente. Ela poderia até se chamar Marie ou ate mesmo Beth, de tão sincera que ela estava sendo. Uma aura foi construída no bar como nenhuma vez tinha sido visto. Normalmente pediam para cantar as músicas mais conhecidas, fossem as que tocavam na rádio no momento, fosse as que tinham tocado na rádio há decadas. “Who am I, what and why, cause all I have left is my memories from yesterday, on these sour times…”. As lágrimas escorriam dos olhos dela, mas o que ninguém prestava atenção era que Tom estava mais tocado ainda. A música caiu como uma luva em seus sentimentos que estavam inebriados pelas cervejas após o trabalho.

Ele sentava, olhava para ela. Não tinha outra reação a não ser segurar a sua cerveja com bastante força e segurar o choro. A música acabou. Todos aplaudiram de pé. Ela não tinha muitos motivos para comemorar, mas ficou feliz com a reação positiva. Todos ficavam, Tom sabia. O reconhecimento público é imprescindível para a realização de uma pessoa.

Roberta sentou, eles passaram alguns instantes sem se falar. Sorriram um para o outro, se encararam por mais alguns instantes. Reginaldo chegou com duas cervejas geladas, disse que era o melhor para não prejudicar a garganta e rapidamente se retirou. Tom estava encantado e parecia que nada mais chamaria sua atenção na noite. Roberta estava aliviada e sentia-se bem ao ver que tinham gostado de vê-la cantando. “Isso foi sensacional! Uau, nunca consegui me emocionar num karaokê. Não sei nem o que dizer..”. Tom parou, ia começar a gaguejar e sabia. Roberta abriu um pequeno sorriso e disse: “Tom, muito obrigada pela noite. Era disto que eu estava precisando. Se cuida…”. Roberta se levantou, deu um beijo na testa de Tom e saiu sem nem pagar a conta. Ela era mais rica que Tom, não era esse o problema. Era só a habitual provocação característica dela. Isso atiçava Tom, ele era um cara certinho.

Ainda ficou alguns instantes pensando na vida, quando chegou Reginaldo com a saideira e disse “É bronca… fantástica essa menina canta bem mesmo”. Tom tentou esboçar alguma reação, mas estava difícil. Sabia que era a hora de partir. O bar fechava e a vida tinha que seguir. Levantou-se. Ele não conseguia tirar a música da cabeça “Take a ride, take a shot now, ‘Cause nobody loves me, it’s true, Not like you do”, era quase um feitiço.

Tom 4

[Já leu Tom nº 0nº 1nº 2 e o nº3?]

Finalmente o trabalho havia acabado. Por sua falta de concentração ele tinha demorado mais que o normal, afinal não era todo dia que ele acabava seus relatórios às 20h. Tom estava cansado e estava bastante de saco cheio por causa do dia que tinha tido. O que deu ao seu dia um mínimo de interesse foi a troca de mensagem com Roberta, que acendeu uma esperança de ter alguém que não fosse Alice para lhe confortar. Sabia que inicialmente esse café, se aceito por ela, provavelmente os levaria a um caminho que Tom julgava bom para ele nesse momento. Nada melhor para esquecer o seu perturbado fim de namoro do que o corpo macio e a personalidade contrastante de Roberta.
Entretanto, ela demorava em responder à mensagem. Já tinha passado mais de uma hora desde que Tom havia enviado e nenhum sinal de vida por parte dela. Ele tampouco ficaria em casa olhando para o seu celular e esperando que ela respondesse. Decidiu descer e ir à Ovelha Negra. Nada como uma cerveja para relaxar depois de um dia de trabalho. Andou menos de 2 minutos e já estava na porta do bar. “Puta merda, hoje é segunda-feira. Qualquer lugar aqui estaria fechado, menos a Ovelha Negra, ufa.”
Dessa vez, ele se sentou no balcão do bar. Estava sozinho, não esperava ninguém, só queria descansar. Não era dia de embriagar-se, não era dia de fazer nada, só matar o tempo. Falou com Joab, o bartender, e pediu a habitual cerveja. Gosto amargo, garrafa verde, extremamente gelada. Ele não poderia querer mais nada. Sacou seu celular e fez o habitual check-in no foursquare. Não era só a maneira de dizer a todos seus amigos onde estava, mas também tinha a ver com o orgulho que tinha de segurar a posição de “prefeito” do Ovelha Negra, ou seja, a pessoa que mais esteve no local. Tomou um gole de cerveja, estava estupenda.
Quase uma hora tinha se passado e Tom só tinha feito beber e conversar com Joab e Reginaldo. Conheceu Joab ainda quando era adolescente e ele trabalhava como garçom num restaurante que ficava num shopping center perto da casa de Tom e que ele e seus amigos costumavam ir porque ofereciam uma fonte infinita de refrigerante a um preço irrisório. Enquanto isso, Joab era o garçom mais gente fina da casa e o preferido da turma. Sempre simpático e com um gosto musical bastante apurado, ficava conversando com os então-garotos por vários minutos, até ser chamado por sua sempre furiosa gerente. Velhos tempos, Tom lembrava.
Reginaldo não tinha muita história. De família pobre, saiu da escola para trabalhar e desde então sua vida era passada dentro de bares, servindo os clientes, e na rua, ganhando uns trocados extras vendendo cerveja e refrigerante em dias de festa. Desde sempre gostou de música e de cantar, tinha tido um grupo de pagode com seus amigos e suas habilidades lhe renderam um emprego de garçom-cantor num prestigiado bar da cidade. Lá trabalhou por bastante tempo, até que estava velho e ser demitido sem pena pelo seu chefe. Juan, o dono da Ovelha Negra, sobe aproveitar a oportunidade e o chamou para ser o chefe dos garçons, que Reginaldo sempre falava maître, palavra que tinha aprendido no outro bar. Era um orgulho para ele ter um emprego com o nome francês.
Tom não percebia que estava elucubrando sobre isso e olhou atentamente para os lados procurando alguém que tivesse visto seu momento de transe pessoal. Não, ninguém queria saber de Tom, até Joab estava bastante ocupado com os clientes que haviam chegado recentemente. Talvez todo esse flashback nem tenha durado tanto. Enquanto enchia mais um copo, foi surpreendido com a figura que havia se manifestado ao seu lado. Roberta estava lá, e sem perder muito tempo foi começando a conversa: “Preciso conversar com você”. Tom, espantado, disse: “Boa noite para você também, eu estou ótimo, meu dia não foi tão legal, mas minha noite está sendo, sente-se..”. Ela quase sempre evitava as formalidades. Sabia que todos sabiam, achava que não eram necessarias. Pouco sabia que muitas vezes um pouco de delicadeza ajudava bastante a gerar empatia.
“Tom, acabei o meu namoro.”. “Tá.”. “É serio. Ele era um canalha.”. “Novidade…”. A conversava não impressionava Tom. Era muito previsível, não era o que ele queria. Desde sempre o que lhe atraía eram coisas novas, desafios nunca propostos e a possibilidade de fugir da rotina. Não conseguiu isso da maneira que queria, tanto no trabalho, como nesta conversa com Roberta. Porém, ele tinha paciência e não tinha outro lugar para ir. “Não sei porque comecei. Todo mundo no trabalho pensava que era só para ser promovida. Você sabe que eu nunca fui disso!”. Ela estava bastante agitada, era fácil de ver. E tambem estava falando a verdade, Tom sabia. “Eu sei, eu sei. Fica tranquila que você não só é muito boa no que faz, mas também nunca fez nada de errado nesse sentido. Não tem pra que se estressar com isso.”. “É, mas por que diabos fui me envolver com ele? Não era a beleza dele que me atraía, mas tampouco era o poder. Eu não queria ficar com ele para me achar mais importante, você sabe que eu tenho problemas respeitando a hierarquia.”. “Eu sei, Roberta…”. Tom sabia, era verdade. Mas quando abria a boca não era para dizer alguma coisa marcante que fosse mudar o rumo da conversa. Era apenas para fazer com que ela desabafasse, técnica que aprendeu com Alice ao longo dos anos. E funcionava sempre, sem dúvidas. “O que eu faço agora, Tom? Tenho tanta raiva desse maldito que não consigo mais nem ir trabalhar em paz, pois tenho que olhar para ele. E pior que eu amo o que faço!”. Ela estava visivelmente abalada. Tom não hesitou em chamar Reginaldo e pedir uma cerveja gelada e uma dose de tequila para a moça. A conversa, apesar de previsível, não era o que ele esperava. Em sua imaginação seria algo entre uma booty call e uma abordagem agressiva dela nele. Sentia pena, entendia seu lado. A melhor maneira que ele achava de tratar o caso era suprimindo a dor. A tequila diluída na cerveja iria ajudar no impacto inicial. Depois disso era só dar tempo ao tempo.
Roberta foi bastante condescendente, ela não sabia o que fazer, nem o que esperar da noite. Só queria alguma coisa diferente para pensar da vida, ficar sozinha em casa não era remédio, suas amigas não eram a ajuda que ela precisava. “Beta, fica tranquila que o tempo passa e as coisas se organizam, acredite em mim, você não sabe o quanto estou sofrendo também. Marina era… ah, você sabe, ela era muito importante para mim. Mas foda-se! Vamos ser felizes!”. Roberta não entendeu no primeiro momento a mudança de discurso dele. Repentinamente, o rapaz estava em pé e se dirigia ao Karaokê que Seu Juan tinha colocado lá e que só funcionava às segundas e quartas. Demorou um pouco até ela realizar que tinham cinco garrafas de cerveja debaixo da mesa de Tom. Ele realmente não conseguiria se preocupar muito com os problemas da vida do jeito que estava. Ela estava longe de desejar isso a si própria também. Pediu a Reginaldo mais duas doses de tequila e uma cerveja. A noite só estava começando.

Tom

Já leu Tom nº 0, nº 1 e nº 2?

O sono veio fácil, mas o problema foram os sonhos. A tempestade de pensamentos que tinham ocupado a cabeça de Tom esses dias ainda não tinha se dissipado. Porém, parecia que o tempo ia melhorar. Ele viu que podia dar a volta por cima e recuperar o bom humor e o prazer pela vida.

Tom acordou e, instintivamente, foi olhar o seu computador. As pessoas achavam estranho quando ele contava desse hábito, mas era algo tão comum e óbvio para ele: lá tem as horas, as notícias e tudo que lhe interessava ao acordar. Viu que eram quase 10 horas da manhã, o seu horário comum de acordar. Tomou banho, escovou os dentes, ligou o som e começou a trabalhar. Ele ignorava o café da manhã, pois não gostava muito de pão, ovo e essas coisas que se comem no desjejum. Por isso, preferia acordar mais tarde e só se alimentar entre as 12 e as 13 horas.

Ele raramente sentia que seu trabalho era entendiante, afinal era o que ele gostava de fazer, mas, excepcionalmente, não estava nem um pouco a fim de fazer uma análise sobre a eficiência da campanha publicitária da marca X de bebidas. Sua cabeça estava em outro mundo. Tom queria voltar à Ovelha Negra e conhecer aquelas meninas que se divertiam tanto sem se preocupar com os problemas da vida. Talvez elas soubessem a solução para uma vida mais feliz, talvez elas só estivessem expondo um lado da história. Tudo isso era um grande enigma para ele, mas que lhe dava muita vontade de decifrar.

Apesar de sua cabeça se revirando e estando bem mais a fim de pensar mais no fim do seu namoro, Tom era profissional. O que lhe fez ter uma clientela fiel foi sua qualidade. O que lhe fez não ganhar dinheiro foi a sua falta de capacidade em saber como ganhar dinheiro com seu trabalho. Fazia algo que gostava e executava com maestria, mas não sabia a melhor forma de ganhar dinheiro com isso.

Ele sabia que não tinha muito para onde correr, tinha que trabalhar e focar sua cabeça no seu ganha-pão. Continuou fazendo suas pesquisas pela internet e anotando resultados de várias ações publicitárias que foram iniciadas há pouco tempo, mas que necessitavam de resultados, seja para impressionar os chefes, seja porque as ações realmente necessitavam ser mensuradas com tanta velocidade. Não importava para ele, já tinha virado rotina, era só coletar as informações e manter relatórios.

Certo momento, recebeu uma mensagem de Roberta, uma analista de marketing de uma das empresas para a qual Tom fazia seus freelas. Era do jeito que o agradava e que ele mesmo achava que merecia, pois também tinha seus defeitos. Do mesmo jeito que amava música, era quase uma extremista xiita em relação a gêneros musicais. Pouca coisa era pura para ela. Adorava livros, odiava escritores muito mainstream, como gostava de chamá-los. Se o blues, o rock e a música clássica eram os deuses, a música eletrônica e o pop comercial vinham do inferno. Se Dostoiévsky, Fante e Bukowsky eram os reis, J.K. Rowling, Dan Brown e Stephenie Meyer eram aqueles que tentavam destruir o império do conhecimento e do bom senso. Ao mesmo tempo em que seu corpo e sua face transmitiam uma aura gentil e suave, sua personalidade muitas vezes imponente não agradavam a Tom. Ele odiava extremismos.

Quando se conheceram, há quase um ano, a personalidade retraída e mistériosa do analista de mídias sociais quase eremita a atraiu por ser bastante intrigante. Infelizmente, para ela, ele não a deu muita atenção, pois estava num relacionamento com alguém de quem gostava muito. Infelizmente, para ele, Roberta gostava de atingir seus objetivos e demorou para desistir de falar com Tom. Só parou mesmo quando entrou em um relacionamento conturbado com seu ex-chefe, que a tinha cortejado desde que era estagiária. Os meses de insistência fizeram com que Tom pudesse entender a personalidade agitada e imponente dela, mas não era o que ele buscava no momento. Queria paz e futuro com sua namorada.

Hoje, Tom estava solteiro. Há pouco tempo, verdade, mas solteiro. A mensagem que estava no seu smartphone era provocante, mas não podia atender tão urgentemente o chamado, pois tinha que finalizar um relatório justamente para a empresa de Roberta. Ela queria marcar um café com ele, retomar as conversas que tinham parado há vários meses. Agora, os dois estavam solteiros. Tom tinha visto no Facebook dela. A vida social agora tinha seu próprio outdoor. Se chamava rede social, o lugar onde você exibe o que quer, mas muitas vezes não percebe quando passou do limite entre o pessoal e o privado, que deveria ser reservado para o mínimo de pessoas possível. Era a sociedade do exagero, da fama e dos holofotes. E certa parte desta história era o trabalho de Tom, o que o levava sempre a pensar quais motivos faziam as pessoas se expor tanto. Respondeu a ela dizendo hoje não dava, quem sabe amanhã?

Continuou trabalhando e, ansioso, pensava em qual seria a resposta dela. De vez em quando só se tem uma chance.