[Esse é o décimo capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]
O trajeto foi curto e logo chegaram à festa. Era numa área industrial abandonada e a decoração meio steampunk dava um charme ao local que se não fosse pelo evento estaria abandonado. A maior parte do público estava longe de ser do interesse de Tom. A reforma de um galpão atraía mais uma sociedade que buscava os holofotes, nem que fossem daqueles canhões de luz do Batman. O ligeiro desgosto passou à medida que lhe deram mais uma cerveja. Difícil ter pensamentos negativos quando aquele líquido geladíssimo e amarelo esfriava sua garganta e sua cabeça.
Estava com seus melhores amigos que tudo que tinha que fazer nessa noite era se divertir e isso não parecia ser difícil. A música estava alta e a comunicação comprometida, era uma festa como qualquer outra. Música alta era uma coisa boa, a não ser que o cara do som decidisse estourar o grave além do que os subwoofers aguentavam, senão viraria uma tortura que só os loucos ou os embriagados aguentariam. E a comunicação parecia evoluir, ou quem sabe regredir aos mais básicos instintos em que o olhar e as expressões faciais teriam que dizer tudo. Não era onde Tom se sentia confortável, mas era uma oportunidade de conhecer gente nova, esquecer os problemas e assistir ao show daquela banda estranha que basicamente só ele conhecia.
Rapidamente o trio encontrou outros amigos, gente daquelas que só se via a cada show, festa ou aniversário, mas que ainda assim eram bons amigos. Em momentos como esses não era necessária nenhuma profundidade, só pessoas já conhecidas com quem se podia se divertir. Ainda assim, Tom foi atrás de uma cerveja e uma dose de tequila. Era o mínimo para começar a noite e quebrar as barreiras que ele tinha. O problema era que sua cabeça e seu corpo praticamente só conseguiam lidar com três possíveis estados psicológicos: sóbrio, alegre e embreagadamente alucinado. Ele raramente conseguia ficar em um estado de alcoolemia intermediário em que pudesse estar desinibido e alegre o suficiente, mas não fora de controle como ficava. Era difícil chegar a esse ponto ideal.
Depois de tomar seu shot de abertura, pegou a cerveja e saiu andando ao sentido oposto de seus amigos. Não que quisesse fugir, mas era hábito seu dar um passeio sozinho para ver como estava a festa e ver se havia outras pessoas conhecidas, aquela velha reconhecida de território era inevitável. Ele não era o cara mais conhecido do mundo, mas tinha sua pequena cota de amigos, amigos dos amigos e amigos dos amigos dos amigos. Era o suficiente para ajudar uma festa a ter vários momentos diferentes e Tom não conseguia evitar pulando de galho em galho.
Não viu nada que merecesse muito destaque. Falou com alguns amigos, reencontrou gente que não via desde a última festa em que esteve. Gente até cujo aniversário tinha passado, mas Tom tinha parado de dar parabéns no Facebook por achar superficial demais. Terminada a primeira ronda, repetiu a a tequila e a cerveja e voltou a seus amigos. O DJ estava empolgado com um som bastante diferente do que tinha na época, o que fazia com que boa parte do público se sentisse deslocada e alguns até incomodados, mas só deixava Tom feliz. De The Faint tocando Paranoiattack a The Kills com No Wow, ficava difícil parar de dançar. Esse sentimento continuou por aparentes incontáveis minutos, até que as luzes, que já estavam baixas, apagaram-se quase por todas. Ia começar a grande atração da noite, uma banda que tocava músicas aleatórias sobre desilusões amorosas e misturava com guitarras quase gritantes. Tinham conseguindo quebrar toda a empolgação de Tom sem aparente esforço, não havia muito a se fazer. Foi mais uma vez ao bar. Já era a terceira tequila e provavelmente seria a quinta cerveja. Não tinha ninguém para pedir a ele para moderar no consumo, ele tampouco achava difícil parar.
Até o show acabar já estava difícil manter a conta de quantas cervejas e tequilas tinham sido. A melhor maneira de saber disso era olhar na carteira e deduzir quanto dinheiro tinha sobrado do que tinha-se trazido, mas ninguém se importava muito com isso. A festa ainda continuava, Tom estava imparável outra vez. Ele realmente tinha gostado do coletivo de DJs que tinha organizado essa festa. Não entendia muito bem porque escalaram aquela banda meio nada a ver, mas era a vida, eram as amizades, o dinheiro ou algum outro motivo desprezível. Jameson já estava encostado na parede com a provável terceira garota da noite e provavelmente as outras duas nem sabiam disso, ele so estaria pegando um drink. Alice estava com um grupo de amigos, mais precisamente dando atenção a um cara qualquer que ela tinha achado interessante, mas que seria esquecido um dia depois. As outras pessoas estavam dançando, conversando, fofocando e bebendo.
Tudo normal indo madrugada a dentro, até que Tom, de relance, imaginou ter visto Roberta. Estava confuso e não tinha certeza. Tentou procurá-la por bastante tempo e começou a achar que era uma ilusão, afinal estava bêbado. Mas sua consciência embriagada estava certa. Roberta estava lá. Não pensou muito, afinal não tinha nem cabeça para isso. Foi andando em direção a ela, cumprimentando-a com um abraço bem apertado e com o hálito de álcool mais forte possivel. “Oooi, Beta! Tudo bom??” Ela não respondeu com o mesmo entusiasmo: “Oi, Tom, tudo bom?”. Por não estar bebendo, não tinha mesma empolgação dele. Tom prosseguiu: “Como você está, minha linda??” Estava dotado da autoconfiança que nunca teve sóbrio, mas no pior momento possível. Roberta deu um sorriso natimorto: “Tudo… e com você?” “Estou ótimo, muito bem! Só estava preocupado porque você não tinha dado mais sinal de vida desde aquele dia…” “Ah, estava trabalhando, ocupada, sabe como é, né…?” O desconforto dela era visível para todos, menos para Tom. Quando ele foi responder, apareceu uma mão puxando Roberta e perguntando: “Esta tudo bem, gatinha?”. Tom não identificou facilmente quem estava intervindo na conversa, afinal estava bastante escuro e barulhento. Porém, poucos instantes depois, o canhão de luz, de maneira quase que intencional, mirou na cara: era Luiz, o chefe de Roberta. Eles haviam retomado o namoro e Tom ficou sabendo disso da pior maneira possivel, mas manteve a expressão mais neutra possivel no momento. Roberta disse “Não, querido… É so um amigo meu um pouco bêbado e que estava acabando de dizer que precisava ir ao banheiro. Até mais, Carlos, um beijão!” Ela aproximou-se de Tom, deu-lhe um beijo em cada bochecha e virou-se. Era incrivel como ela conseguia ser cínica de forma tão natural.
Saiu caminhando atordoado. Não entendia muito facilmente o que tinha acontecido. Foi aí que esbarrou com Jameson, que disse “Tom, você está vivo?? Que cara de zumbi é essa? Vem cá, vem tomar um drink e conhecer umas estudantes de educação física que eu encontrei por aqui”.