Ela dançava

[ e o post número 100, por total coincidência, é um conto. Totalmente a parte da história de Tom, por sinal. ]

Estava triste, o namoro tinha acabado há menos de uma semana e ontem tinha sido dia dos namorados. A noite, especial em vários outros anos, foi das mais melancólicas possíveis. Um vinho barato, mas de bom gosto, Leonard Cohen compunha sua trilha sonora de derrotas amorosas e a Internet lhe mostrava as maiores felicidades e mentiras de todo o ano. Todos se amavam, estavam felizes e surpreendiam-se de maneiras mil. Ela só queria que esse dia e essas lembranças acabassem. Dormiu.

Hoje o dia tinha sido mais tranquilo. Ainda assim tinha que aturar as fotos de todas as comemorações do dia anterior, menos aquelas que ficaram guardadas para sempre ou até algum dos dois revoltar-se por um motivo qualquer e espalhá-las ao mundo. No trabalho, mil cochichos sobre tudo que tinham feito nas noites passadas. Ela ouvia música, trabalhava e esperava o dia acabar.

No final da tarde, duas amigas, que também estavam solteiras, a bombardearam de mensagens, chamando para uma festa que ia ter. Era quinta-feira, normalmente não faria isso num dia de semana, mas realmente precisava.

Foi para casa, tomou um banho quente. Sua cabeça estava na lua, um turbilhão de pensamentos desconexos a tiravam da realidade. Nada que no final das contas fosse importar. Ela sabia que hoje nada importava. Sentia-se quente e acolhida pela água do chuveiro, mas não poderia passar a noite toda assim. Pela primeira vez desejou de verdade ter uma banheira, mas ao mesmo tempo esperava nunca ter de precisar deste tipo de conforto em troca de algo mais natural. Saiu do banho e, não muito depois, já estava vestida e tomava uma taça  de espumante. Esse era dos bons de quem sabia o que queria. Suas amigas chegaram num táxi e ela partiu.

A boate era escura, de ar londrino, e uma música diferente do habitual estava tocando. Ela estranhou num primeiro momento, mas não era isso que importava hoje. Seus olhos visitaram todo o espaço, casais eram poucos, isso a deixou feliz. Viu alguns grupos de amigos, mas nada muito interessante. Foi chamada pelas amigas para pedir sua bebida. As duas amigas já estavam bebericando um espumante, mas não era disso que ela precisava. Tomou uma dose de tequila, não fez cara feia e pediu uma caipirosca de limão para lavar o paladar do gosto forte de álcool.

O tempo foi passando e mais caipiroscas foram tomadas. A conversa girava em torno do mesmo assunto : ex-namorados e as comemorações de ontem. Até o ponto que nada de novo era falado e todas entreolharam-se e não tinham nada a dizer. Cada uma bebia calmamente de seu copo e não faziam nada mais, até que o DJ tocou uma música diferente.

A atmosfera mudou repentinamente. Talvez tenha sido só o efeito do álcool atacando seu corpo. Levantou-se sem dizer nada e começou a dançar. A pista de dança estava cheia, mas ela não se importou. Tinha a impressão de que há anos não fazia algo como isso e que finalmente estava se livrando das algemas do relacionamento que por tanto tempo a restringiram.

Não tinha quem a parasse, dançava com todas as pessoas que a encaravam, mas não deixava chegarem muito perto. Sabia o que estava fazendo, apesar de tudo. Envolveu o ambiente com sua felicidade e seu gingado. Puxou o primeiro rapaz que viu para dançar uma música com aspirações latinas que tinha acabado de começar. O segurou firmemente durante toda a música, resistindo a todas as investidas dele. Fechou a sua apresentação com um grand finale: o beijou com gosto e agressividade, esperou que ele processasse tudo que tinha acontecido nestes poucos segundos de dança. Quando finalmente caiu a ficha, percebeu seu corpo sentindo o prazer e sinalizou que queria mais, ela o dispensou e, finalmente, transcendeu.