Tom 11

[Este é o décimo primeiro capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

A última coisa que lembrava era do braço de Jameson envolvido em si e guiando-lhe em direção às meninas. Acordou com o sol na cara, estava nu, com o lençol lhe cobrindo. Virou ao lado e percebeu que tinha um corpo a mais em sua cama, isso não era normal há um bom tempo. Não tinha a mínima ideia de quem poderia ser e ficou preocupado. O corpo estava encoberto por seu lençol, imóvel. Tom conferiu se quem estava lá estava vivo. Levantou apenas o suficiente para ver o rosto. Era uma loira, bonita até. A curiosidade foi maior e olhou mais o corpo coberto pelo lençol, estava nu.

Nesse momento, a auto-estima de Tom superou a dor de cabeça da ressaca. Devolveu o lençol a ela, que continuava dormindo, e foi tomar um remédio. Não conseguia de maneira alguma lembrar o nome dela. Jameson o havia apresentado a três amigas, duas morenas e uma loira, mas tinha quase certeza de que não eram a loira não era aquela. Sua memória não estava nem um pouco clara. Olhou o relógio e viu que ainda eram nove da manhã. Sabia que não tinha chegado em casa antes das quatro, mas a ressaca sempre o acordava precocemente. Não ousaria ligar para Jameson tão cedo. Arrependeu-se profundamente de tê-lo feito uma vez e sabia que não valia a pena.

Foi tomar banho – era uma otima oportunidade para tentar lembrar alguma coisa. A água estava bastante quente e Tom mal conseguia manter os olhos abertos. Não percebeu quando a menina surgiu de repente, gritando “Toooom…. Querido! Tá tomando banho, é? Vou aí te ensaboar!” Quando ele viu, a menina já estava ao seu lado, pronta para lhe beijar. Ele era refém dela e não tinha como reagir. Ainda assim, sabia que era a melhor maniera de ser refém, pelo menos.

Apesar de não estar esperando por isso, Tom não negou as carícias. Olhando bem, ele chegou à conclusão de que era melhor aproveitar esse banho do que ficar destilando a ressaca. Banho tomado, a loira foi à cozinha. Parecia ter esquecido a utilidades das roupas, mas não tinha ninguém para reclamar disso. Tom colocou um shorte bem confortável e tentou voltar a dormir. Era complicado até saber se isso tinha sido verdade ou não.

O cansaço de seu corpo era grande, mas sua mente ainda estava bastante agitada. Ficou virando de um ladso para o outro tentando dormir e eventualmente acabou cedendo.

Acordou não com o seu habitual toque de celular, mas com a loira sentada em seu colo. Ela não havia ido embora, como Tom esperava. Pelo contrário, pareceria que queria ficar para sempre. A garota já estava pronta para outra, mas ele não. Sua cabeça tinha falhado em decifrar o fim da noite anterior e isso junto à ressaca não ajudavam seu humor. “Você fica tão bonitinho com o cabelo bagunçado e essa cara feia… vem cá me dar um beijo!” Tom fez uma cara mais feia ainda, mas não conseguiu desviar das investidas.

Quando achou que havia perdido a batalha e já se dava por vencido, seus inexistentes deuses ouviram à sua inexistente prece: a campainha tocou. Apesar de não ter ideia de quem poderia ser, Tom tiroua loira de cima, empurrando-a para o lado e correndo para a porta.

A sua salvadora era uma das pessoas que o conhecia melhor: Alice. Ela tinha um hábito estranho de, se estivesse por perto da casa de alguém ela não ligava para ver saber se podia visitar. Alice simplesmente iria bater na porta e apertar a campainha até alguém aparecer, nem que fossem os vizinhos para reclamar dela.

O sorriso de Tom era o mais genuíno possivel. Achava que não iria escapar daquela ninfomaníaca sem nome. “Oi, Alice! Tudo bom?” “Tom, querido! Estava aqui por perto e vim ver se você estava bem” “Bem eu estou, mas não dá para contar muito agora. Vem, entra e me ajuda!”. Ao passo que Alice foi entrando, ouviu-se de dentro do quarto dele “Tom, meu amorzinho! Quem era? Volte já para a cama que eu quero lhe usar!”. A cara de espanto de Alice se encontrou com o desconcerto no rosto de Tom. Ele precisava de sua amiga para se livrar da desconhecida.

Quando entrou no quarto, Tom tratou de apresentar Alice “Essa é minha amiga Alice, eu tinha marcado de trabalhar com ela hoje e esqueci. Ela é designer”. Alice te ntou mostrar entusiasmo pela historia inventada, “Mas quem trabalha no domingo? Você vai me deixar aqui sozinha??” Ele não conseguia acreditar no que estava ouvindo e toda loucura, somada à sua ressaca e sua habitual impaciência o levaram ao extremo: “Não, quem vai sair e você e vai agora! Não sei nem o seu nome e você já está me chamando de amorzinho? Some daqui!!!”. Tom estava irado.

Sua pele estava vermelha e seu coração estava pulsando num ritmo que ele nunca tinha alcançado. “Renata, meu nome e RÊ-NÁ-TÁ! Seu idiota insensível! Tudo aquilo que você me prometeu ontem, tudo mentira! Ahhhh!”. O grito com certeza devia ter chamado a atenção dos vizinhos, enquanto Alice assistia tudo de camarote. “Eu estava bêbado! Não lembrava nem de você! Sai daqui que eu tenho mais coisa para fazer da minha vida! “Eu vou embora mesmo! Vai lá trepar com essa vadiazinha magrela,aposto que você não consegue nem subir a meio-mastro, fracote!”. Alice estava longe de sentir-se incomodada com os insultos e começou a rir. Renata saiu do apartamento de calcinha e sutia blasfemando Deus e o mundo, enquanto Alice ainda foi caridosa o suficiente para jogar as roupas da menina pela janela.

Esse tipo de loucura raramente acontecia na pacata vida de Tom, mas era do tipo de coisa que Alice adorava. Ela não conseguia parar de rir, enquanto Tom ainda tentava recuperar o bom humor. Ouviu um barulho de lata sendo aberta na cozinha, os trabalhos tinham começado.

Tom 10

[Esse é o décimo capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

O trajeto foi curto e logo chegaram à festa. Era numa área industrial abandonada e a decoração meio steampunk dava um charme ao local que se não fosse pelo evento estaria abandonado. A maior parte do público estava longe de ser do interesse de Tom. A reforma de um galpão atraía mais uma sociedade que buscava os holofotes, nem que fossem daqueles canhões de luz do Batman. O ligeiro desgosto passou à medida que lhe deram mais uma cerveja. Difícil ter pensamentos negativos quando aquele líquido geladíssimo e amarelo esfriava sua garganta e sua cabeça.

Estava com seus melhores amigos que tudo que tinha que fazer nessa noite era se divertir e isso não parecia ser difícil. A música estava alta e a comunicação comprometida, era uma festa como qualquer outra. Música alta era uma coisa boa, a não ser que o cara do som decidisse estourar o grave além do que os subwoofers aguentavam, senão viraria uma tortura que só os loucos ou os embriagados aguentariam. E a comunicação parecia evoluir, ou quem sabe regredir aos mais básicos instintos em que o olhar e as expressões faciais teriam que dizer tudo. Não era onde Tom se sentia confortável, mas era uma oportunidade de conhecer gente nova, esquecer os problemas e assistir ao show daquela banda estranha que basicamente só ele conhecia.

Rapidamente o trio encontrou outros amigos, gente daquelas que só se via a cada show, festa ou aniversário, mas que ainda assim eram bons amigos. Em momentos como esses não era necessária nenhuma profundidade, só pessoas já conhecidas com quem se podia se divertir. Ainda assim, Tom foi atrás de uma cerveja e uma dose de tequila. Era o mínimo para começar a noite e quebrar as barreiras que ele tinha. O problema era que sua cabeça e seu corpo praticamente só conseguiam lidar com três possíveis estados psicológicos: sóbrio, alegre e embreagadamente alucinado. Ele raramente conseguia ficar em um estado de alcoolemia intermediário em que pudesse estar desinibido e alegre o suficiente, mas não fora de controle como ficava. Era difícil chegar a esse ponto ideal.

Depois de tomar seu shot de abertura, pegou a cerveja e saiu andando ao sentido oposto de seus amigos. Não que quisesse fugir, mas era hábito seu dar um passeio sozinho para ver como estava a festa e ver se havia outras pessoas conhecidas, aquela velha reconhecida de território era inevitável. Ele não era o cara mais conhecido do mundo, mas tinha sua pequena cota de amigos, amigos dos amigos e amigos dos amigos dos amigos. Era o suficiente para ajudar uma festa a ter vários momentos diferentes e Tom não conseguia evitar pulando de galho em galho.

Não viu nada que merecesse muito destaque. Falou com alguns amigos, reencontrou gente que não via desde a última festa em que esteve. Gente até cujo aniversário tinha passado, mas Tom tinha parado de dar parabéns no Facebook por achar superficial demais. Terminada a primeira ronda, repetiu a a tequila e a cerveja e voltou a seus amigos. O DJ estava empolgado com um som bastante diferente do que tinha na época, o que fazia com que boa parte do público se sentisse deslocada e alguns até incomodados, mas só deixava Tom feliz. De The Faint tocando Paranoiattack a The Kills com No Wow, ficava difícil parar de dançar. Esse sentimento continuou por aparentes incontáveis minutos, até que as luzes, que já estavam baixas, apagaram-se quase por todas. Ia começar a grande atração da noite, uma banda que tocava músicas aleatórias sobre desilusões amorosas e misturava com guitarras quase gritantes. Tinham conseguindo quebrar toda a empolgação de Tom sem aparente esforço, não havia muito a se fazer. Foi mais uma vez ao bar. Já era a terceira tequila e provavelmente seria a quinta cerveja. Não tinha ninguém para pedir a ele para moderar no consumo, ele tampouco achava difícil parar.

Até o show acabar já estava difícil manter a conta de quantas cervejas e tequilas tinham sido. A melhor maneira de saber disso era olhar na carteira e deduzir quanto dinheiro tinha sobrado do que tinha-se trazido, mas ninguém se importava muito com isso. A festa ainda continuava, Tom estava imparável outra vez. Ele realmente tinha gostado do coletivo de DJs que tinha organizado essa festa. Não entendia muito bem porque escalaram aquela banda meio nada a ver, mas era a vida, eram as amizades, o dinheiro ou algum outro motivo desprezível. Jameson já estava encostado na parede com a provável terceira garota da noite e provavelmente as outras duas nem sabiam disso, ele so estaria pegando um drink. Alice estava com um grupo de amigos, mais precisamente dando atenção a um cara qualquer que ela tinha achado interessante, mas que seria esquecido um dia depois. As outras pessoas estavam dançando, conversando, fofocando e bebendo.

Tudo normal indo madrugada a dentro, até que Tom, de relance, imaginou ter visto Roberta. Estava confuso e não tinha certeza. Tentou procurá-la por bastante tempo e começou a achar que era uma ilusão, afinal estava bêbado. Mas sua consciência embriagada estava certa. Roberta estava lá. Não pensou muito, afinal não tinha nem cabeça para isso. Foi andando em direção a ela, cumprimentando-a com um abraço bem apertado e com o hálito de álcool mais forte possivel. “Oooi, Beta! Tudo bom??” Ela não respondeu com o mesmo entusiasmo: “Oi, Tom, tudo bom?”. Por não estar bebendo, não tinha mesma empolgação dele. Tom prosseguiu: “Como você está, minha linda??” Estava dotado da autoconfiança que nunca teve sóbrio, mas no pior momento possível. Roberta deu um sorriso natimorto: “Tudo… e com você?” “Estou ótimo, muito bem! Só estava preocupado porque você não tinha dado mais sinal de vida desde aquele dia…” “Ah, estava trabalhando, ocupada, sabe como é, né…?” O desconforto dela era visível para todos, menos para Tom. Quando ele foi responder, apareceu uma mão puxando Roberta e perguntando: “Esta tudo bem, gatinha?”. Tom não identificou facilmente quem estava intervindo na conversa, afinal estava bastante escuro e barulhento. Porém, poucos instantes depois, o canhão de luz, de maneira quase que intencional, mirou na cara: era Luiz, o chefe de Roberta. Eles haviam retomado o namoro e Tom ficou sabendo disso da pior maneira possivel, mas manteve a expressão mais neutra possivel no momento. Roberta disse “Não, querido… É so um amigo meu um pouco bêbado e que estava acabando de dizer que precisava ir ao banheiro. Até mais, Carlos, um beijão!” Ela aproximou-se de Tom, deu-lhe um beijo em cada bochecha e virou-se. Era incrivel como ela conseguia ser cínica de forma tão natural.

Saiu caminhando atordoado. Não entendia muito facilmente o que tinha acontecido. Foi aí que esbarrou com Jameson, que disse “Tom, você está vivo?? Que cara de zumbi é essa? Vem cá, vem tomar um drink e conhecer umas estudantes de educação física que eu encontrei por aqui”.

Tom 9

[Esse é o nono capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

Após de comer e passar algumas horas assistindo seriado, Tom acabou cochilando no sofá. Acordou poucas horas depois com seu celular gritando Never Gonna Give You Up, de Rick Astley. Ninguém entendia porque ele tinha um ringtone tão estranho, ele tampouco se importava muito em explicar. Foi atender e viu que era Jameson. O fogo que seu amigo tinha era inacabável e incontrolável. Sábado nunca era dia de ficar em casa e não havia desculpa. Se fosse depender de Tom, o mais longe que ele iria era na Ovelha Negra tomar uma cerveja antes de findar a noite, mas seu amigo sempre aparecia com alguma proposta para fugir do aconchego de seu lar.

A história de hoje era o show de uma banda de rock local. Tom não lembrava direito nem o que era, mas tinha certeza de que sabia mais da banda do que seus amigos que iam. Na verdade a maior parte deles nem se importava, valia mais a festa, as pessoas e a bebedeira, o som virava consequência. Uma característica de Tom era ter uma memória que conseguia guardar mais detalhes do que ele precisava sobre bandas, gêneros musicais e o mundo da música. Muitas vezes era chamado de chato porque em momentos de embriaguez não conseguia parar de conversar sobre o artista X que estava tocando na banda Y, mas gravou o CD Z com o seu outro amigo. Talvez fosse o assunto certo na roda errada, mas era difícil parar, principalmente depois da quinta cerveja.

Tom não estava 100%. Sentia que seria melhor se ficasse quieto em casa, mas procurava nunca negar os convites de Jameson. O cara raramente arranjava uma roubada e esse “Pedigree” dele deixava Tom mais tranquilo. Vasculhando o Facebook do show/festa/quase-micareta viu que Roberta tinha confirmado sua presença. Ele não sabia como se portar em relação a isso, o misto de querer e não querer o deixava angustiado. Tinha que entorpecer seus sentimentos um pouco e abriu a primeira cerveja. Tinha passado uma ótima noite sem pensar nisso e pela segunda vez esse sentimento estranho voltava para fazer seu coração palpitar.

Uma semana parecia ter sido o suficiente para esquecer todos os meses de sofrimento sem Marina. De certa maneira, sentia-se um viciado. Foi necessária apenas a reinserção de uma pessoa na sua vida e toda uma necessidade tinha sumido e se canalizado em Roberta. Devia chamar isso de vício do amor, síndrome da paixão aguda ou qualquer nome de banda de brega. Tom sabia que não era assim com ele normalmente, mas de vez em quando parecia impossível curar-se. Desapego era uma coisa complicada.

Abriu uma segunda cerveja e começou a se arrumar. Não que isso levasse muito tempo, mas Jameson chegaria em vinte minutos e Tom não gostava de se atrasar. Pouco tempo depois, ja estava quase pronto para sair. As mensagens trocadas com seu amigo significavam que teria cinco minutos para vestir sua calça e calçar seu tênis, exatamente como planejado.

Jameson chegou dirigindo o carro e seu motorista Dinho estava no outro banco da frente, com Alice sentada no banco de trás sozinha. Sempre que estivesse sóbrio, por mais que Dinho estivesse do seu lado, Jameson tinha que estar dirigindo. Desesenvolvia suas habilidades de piloto do asfalto desde sua adolescente, época em que tinha que visitar sua família no interior. O problema era que a necessidade tinha virado vício e seu motorista dirigia menos que o seu patrao.

Alice, como sempre, estava fazendo cara feia e tinha razao. Jameson estava longe de ser o motorista mais prudente da cidade, além de ter um gosto musical demasiadamente eclético, contando com uma seleção especial para impressionar as mulheres. Nem Alice nem Tom achavam isso interessante ou sequer efetivo, mas era Jameson e ele não iria mudar.

Tom 8

[Esse é o oitavo capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

Depois de um almoço excelente, Tom estava bem satisfeito, quase 100% satisfeito. O único problema era que Roberta tinha decidido não dar mais sinais de vida. Essa era a pior parte. Não que aquilo que tinha acontecido um dia antes tivesse sido um encontro ou algo que acarretasse em alguma obrigação por parte dela, mas Tom queria. Tampouco sabia qual era o momento certo para voltar a falar com ela sem parecer desesperado, esse tipo de dinâmicas sociais sempre o assustaram bastante e ele nao tinha lido a cartilha. Preferiu esperar para ver se receberia algum sinal de fumaça da menina.

Jameson o deixou em casa e, assim que saiu, cantou o pneu do carro para chamar a atenção dos transeuntes. Não bastava estar dirigindo o automóvel mais badalado do ano, ele ainda tinha que fazer barulho no meio da rua. Isso já tinha incomodado Tom algum tempo atrás, mas depois fica mais fácil de se acostumar e simplesmente não dar nenhum valor a isso. Esse aprendizado veio com muito custo, pois enquanto seu amigo sempre esteve bastante adaptado à sua vida de engenheiro, Tom ainda tinha aprendido o que queria da vida da maneira mais complicada. Em certos momentos da vida chegava a se questionar se estava fazendo o que queria e se irritava facilmente com algumas coisas que lhe eram pedidas. Foi necessário bastante força de vontade e compreensão para entender que nem sempre dava para fazer so o que ele queria, mas entendia também que fazer papel de bobo estava longe de ser uma opção. Relevou o comportamento de Jameson mais uma vez, não tinha outra coisa a fazer.

Entrando em sua casa fez o de sempre: colocou um vinil aleatório, mas de bom gosto, acendeu o monitor do seu computador, que nunca era desligado, pegou um copo d’água e foi trabalhar. Não tinha nada de novo no fronte. Na verdade, a semana toda foi bastante normal. Trabalho, seriados, comida delivery. Games, mais trabalho, conversas nonsense com amigos, mas praticamente só saindo de casa para comprar pão. Não enviou nenhuma mensagem para Roberta e por mais que apertasse o display de seu celular, não recebeu nada. Talvez aquele surto de carência dela estivesse curado, o de Tom parecia que so tinha começado.

Quando chegou a sexta-feira, alguns amigos de Tom da internet o chamaram para jogar. Eram pessoas que ele conhecia ha anos, falava quase todo dia e ainda assim tinha falado com poucos ao vivo. Alguns mais velhos tinham aproveitado as férias ou alguma viagem a trabalho para visitar Tom e sua cidade. Tom, por sua vez, tinha feito isso algumas vezes e tinha gostado do resultado. Fortaleceu amizades que têm durado bem mais do que algumas começadas com gente que morava bem mais perto e ainda assim conseguia ser infinitamente mais distante. De vez em quando, Tom se questionava se a distância era um fator que ajudava um relacionamento a durar. O último ano, em que passou morando com Marina, tinha sido diferente. De certa maneira, muito bom e intenso, propiciando algo que ele desejava há muito tempo e que parecia que seria para sempre. Sentia prazer em cuidar dela, saber o que ela queria sem que tivesse que perguntar. Ela dizia que ele era um ótimo dono-de-casa. Tom já era um analista de mídias sociais freelancer, Marina era gerente em uma empresa multinacional. Eles pareciam serem opostos perfeitos, mas tinham dado certo ate um ponto. E desde a revelação de Marina e seu amante tudo tinha desmoronado. Talvez um pouco menos de intensidade pudesse ter feito tudo aquilo dar certo, talvez não.

Abriu a primeira cerveja, certificou que o headphone, o mouse e o teclado estavam certinhos e entrou no Skype. Logo estava em uma chamada com quatro grandes amigos e seu jogo estava aberto. Ele não era um grande fã de jogar em equipe. Sempre tinha tido esse lado mais individual mais forte, mas mesmo assim era bom em se adaptar. Isso o tinha feito capitão do seu time no jogo, pois sentia sempre aquela vontade em mandar e guiar o time ao melhor possível. Era difícil ficar calado quando não concordava em alguma coisa. Apesar de serem apenas amadores de um game qualquer num mundo vasto e cada um ter sempre algo mais prioritário para fazer da vida, eram unidos e felizes.

Tom sabia que seria uma noite recheada de emoções. Algumas vezes algum outro amigo dele o questionava, dizendo que jogo, ou “joguinho”, era coisa de criança. Era algo extremamente irritante, mas ao mesmo tempo dava abertura a um discurso ensaiado infinitamente por ele. Cada pessoa tinha seu passatempo. Cada pessoa usava seu tempo da maneira como bem preferia. Por que diabos há pessoas que acham que todos são iguais? Isso é a coisa mais impossível e absurda de todas. Tinha gente que preferia passar a noite bebendo em um bar, tinha gente que preferia ir para um show, uma festa, uma balada, um culto ou sei lá o que. Não há um padrão de comportamento pra todos e, caso alguém tivesse inventado, Tom dizia que seria o primeiro a intervir e dizer que não era verdade. Para ele, a sexta-feira era um ótimo dia para desopilar e esquecer a semana de trabalho, tomando uma cervejada gelada e jogando com grandes amigos, ainda que não fosse presencialmente.

Nesta noite em questao, Tom estava empolgado. Não só teve um bom desempenho, como também conseguiu tomar todas as cervejas que tinha na geladeira. E não eram poucas. Do meio da noite até seu fim as pessoas nao entendiam muito bem o que ele queria dizer. Tampouco se importavam, uma vez que quase todos estavam longe de sobriedade. Com o passar das horas Tom e seus amigos cada vez mais iam tendo um desempenho pior. Não conseguiam levar o jogo a sério. A alegria e todo o álcool que transpirava de cada um tinha eliminado qualquer preocupação, era quase uma morfina.

O efeito foi tão forte que Tom só se lembrava ter acordado no dia seguinte com uma enorme dor de cabeça. Um dos primeiros reflexos foi ligar o celular e ver se algué mtinha tentado falar com ele. Tinha uma mensagem. Na hora, ressaca, sede, dor de cabeça e qualquer outro tipo de mal-estar tinham sumido. Roberta tinha mandado alguma mensagem e ele não tinha visto. Destravou seu celular e apertou imediatamente no ícone de mensagens. Quando viu, era Alice. Tinha perguntado se Tom ia sair ou o que ele iria fazer, o barulho e toda a bagunça da noite passada tinham feito tanto o celular como qualquer pensamento sobre Roberta passarem batidos. Tinha sido um alívio necessário para uma mente perturbada como a dele. Com o susto passado, disse a Alice o que tinha acontecido e perguntou sobre o que ela iria fazer, afinal era sábado e Tom normalmente não ficava em casa.

Mensagem enviada, consciência um pouco aliviada e o coração ainda palpitando um pouco. Foi tomar seu banho, alguns copos d’água e um remédio para dor de cabeça. Vestiu-se e foi correndo na kebaberia que ficava a alguns quarteirões de casa. Tomava remédio só porque sempre tinha, mas para ele o que salvava uma pessoa da ressaca era um bom kebab acompanhado de batatas fritas e uma Coca-Cola gelada. Isso sim era a receita da salvação de um fígado debilitado.

Voltou rapidamente para casa com uma delícia cilíndrica que comprimia o melhor dos pães sírios, uma carne esfacelada e deliciosa, diversas verduras e um casal de molhos perfeitos: um molho branco à base de iogurte e um molho vermelho à base de tomate. Dividiu o kebab em dois com uma faca, preparou uma jarra que ele tinha comprado na Ovelha Negra e que, segundo diziam, cabia quase 600ml de qualquer líquido, com muito gelo, rodelas de limão e a Coca. Para completar, uma recém-feita porção de fritas. Era isso, um seriado, tchau e bênção. Não precisava de mais nada neste dia.

Tom 7

[Já leu Tom nº 0nº 1nº 2,  nº3nº4nº5 e nº6 ? Mudaram algumas coisas, principalmente a partir do 4.]

Tom não era um cara de um restaurante só. Ele com certeza gostava de se sentir o clima familiar do seu bar favorito, mas quando falava em almoçar fora ele preferia variar e conhecer o que havia de novo na cidade, um bom hábito que tinha vindo de família. Chegou com Jameson no mais novo restaurante japonês da cidade. Não tinha cara de ser barato e isso não incomodava Tom. Ele não era rico, mas desde sempre um de seus maiores esforços foi garantir dinheiro suficiente para suas principais extravagâncias: comida e bebida. O dinheiro a ser pago na Ovelha Negra ao fim do mês estava sempre reservado e do mesmo jeito era quase impossível faltar alguma coisa para sair para comer.

O maitre, que era um maitre de verdade, ao contrário de Reginaldo, os mostrou uma mesa no meio do salão. Tom não gostava, teria que olhar só para uma parte do restaurante. Gostava de ficar quase encurralado no finalzinho do restaurante, de preferência com a vista para a porta de entrada. A única coisa que pedia era para não ficar preso entre outras cadeiras, odiava sair empurrando o pessoal. Por sorte, havia uma mesa exatamente deste jeito e Tom não hesitou em pedi-la. Uma vez tinha sido bastante tímido, mas a vida fez com que ele largasse o “bastante” e agora dissesse que era apenas tímido, na dele.

O restaurante era lindo, uma verdadeira obra de arte da arquitetura moderna, seja lá o que fosse isso. Ele só sabia que era bonito e de bom gosto. Talvez as luminárias coloridas fossem um pouco exageradas e o pé direito talvez alto demais. Com certeza não queriam fazer um restaurante tradicional japonês, até a música dizia isso. Era um som bem intimista que subia e descia e algumas vezes dava pra perceber que realmente tinha um som tocando, algo do tipo Funk Porcini ou outra coisa assim bem lo-fi e que combinava com a vibe do ambiente.

As pessoas que visitavam esses lugares novos seguiam um padrão. Padrão esse que na verdade era uma série de outros padrões: de classe social, ostentação, exageiro, etc. Provavelmente em um teste cego não saberiam diferenciar, em sua grande maioria, Cidra Cereser de Veuve Clicquot. O importante era estar no point do momento, junto com a sua turminha “descolex”, posando para a coluna social de sua preferência. Tom não se incomodava, pelo menos não muito. Era indiferente demais com esse pessoal para que pudesse o afetar de alguma maneira. Tinha descoberto que era mais fácil deixar cada um na sua, vivendo a vida da maneira como escolheram por mais que discordasse que a função ir a um lugar novo fosse exibir sua presença lá ao invés de provar um mundo novo oferecido por algum restauranteur inspirado.

Jameson era mais simplista ainda. O seu paladar não era dos mais refinados, tinha tido uma formação gastronômica muito tradicional e em sua infância teve pouco acesso a restaurantes gourmet ou qualquer coisa que fugisse do que seus pais estavam habituados. Porém, na medida que foi ganhando dinheiro, começou a viajar para outros países, conhecendo novas culturas, hábitos e paladares. Tom também o tinha ajudado bastante. Conheciam-se desde a época de colégio e sempre que podia, Tom conhecia novas culinárias e falava para Jameson, que não hesitou ir atrás disso quando seus primeiros salários foram depositados.

O almoço deles era sagrado, poucas vezes algum outro amigo se intrometia. Procuravam sempre chegar no restaurante antes das 12 para evitar o horário de pico e poderem apreciar um serviço mais dedicado. Raras vezes saíam antes das duas da tarde, sempre tinham algo a conversar e a pressa quase inexistia para os dois. Nessa tarde não seria diferente.

Na verdade, o papo já começava no carro. O trânsito ajudava a alongar as conversas, algumas vezes podendo durar até uma hora a “viagem” para um simples restaurante. O obstáculo era sempre superado com bastante facilidade. As conversas iam desde música e viagens à vida de mulherengo de Jameson. Tom havia estado comprometido por vários anos com Marina e raramente ele tinha algo interessante a dizer sobre os dois. Jameson, por sua vez, não conseguia um namoro fixo desde que as coisas não tinham dado certo com Mariana, anos e anos atrás.

O garçom os levou o cardápio e perguntou se tinham interesse na carta de vinhos. Os dois negaram em unissom. Não apreciavam vinho e nunca tinham entendido porque. Além do mais Tom não bebia de dia, dava sono no resto da tarde. Pediram de entrada o ceviche, prato mais peruano de todos os japoneses, e alguns sushis flambados com um camarão posto em cima no estilo cereja-do-bolo. Estava excelente, sem dúvida.

Tom, ainda com a comida na boca, abriu a conversa sobre a vida dele: “Cara, fui no domingo pra uma festa do pessoal do colégio. Aquela que tu não pudeste ir pro causa da tua viagem. Encontrei com Alice lá e depois fui pro Ovelha Negra choramingar minha vida amorosa pra ela.”. “E aí, deu em algo?”. “Claro que não, hehe. Na verdade é sempre bom desabafar. Torna o espírito mais leve e pronunciar as palavras faz com que elas se encaixem melhor na nossa cabeça. De vez em quando o pensamento tá muito preso à primeira vez que ele foi concebido e aí fica difícil de mudar, causa até um bloqueio. No final das contas valeu a pena a conversa”. Jameson já sabia o que esperar da conversa de Tom com Alice e não ficou surpreso com o resultado. Enquanto comia o último pedacinho de peixe marinado no leche de tigre, Tom disparou: “Mas o que foi mais interessante não foi nem essa conversa, foi ontem. A ressaca que estou agora veio lá do Ovelha Negra…” ao que foi imediatamente interrompido por Jameson: “Novidade…”, prosseguiu: “É, difícil imaginar de onde teria vindo né?” Deu uma risadinha de compaixão com o amigo. “Estava trabalhando em casa no meio da tarde e de repente recebi uma mensagem de Roberta. Estava querendo conversar comigo e eu sabia que o namoro dela com aquele escroto do trabalho dela tinha acabado. Ela estava precisando de um ombro amigo…”. Jameson não segurou a risadinha maléfica, para ele o significado disso era claro. Para Tom, normalmente não tinha esse segundo entendimento. Cada um operava da sua maneira.

“Ela tentou marcar um café, eu estava de ressaca e sugeri a gente se encontrar hoje. Acabei de trabalhar e fui à Ovelha Negra pra pensar um pouco na vida e fazer um happy hour/jantar daquele jeito de sempre. E não é que a danada apareceu por lá? Viu meu check-in no foursquare e chegou sem avisar. Estava realmente carente, puta da vida com o cara, morrendo de medo de se prejudicar no trabalho.”. “Aí você pegou, falou “não chore, princesa” e agarrou ela?”. “Claro que não, né. Providenciei umas tequilas e cervejas, falei algumas palavras de apoio e fui cantar no karaokê!”. Tom estava rindo, Jameson não podia acreditar, para ele isso era uma oportunidade perdida. “Eu já estava meio embreagado e na hora pareceu que a melhor coisa para animar ela era cantar alguma coisa. O problema é que eu lembrei de Marina quando vi Careless Whisper, aí fiquei emotivo e fui cantar a música. Grande amigo eu fui!”. “Porra, Tom. Que música brega! Teu gosto musical vai do bom ao ruim na mesma velocidade que meu carro vai de zero a cem!”. Tom interrompeu o discurso incendiado de Jameson com um longo “Eeenfiiiim… Eu estava na bad, ela estava na bad, tava uma desgraça sentimental só. Acho que até mandei bem, ensaiei em casa. Ela se levantou depois e cantou um Portishead bem carregado. Cara, que voz ela tem. Me arrepiei todinho. Ela cantou da maneira maneira mais sincera que já vi alguém cantar na vida. Aí ela acabou a música, sentou na minha frente me olhando, se levantou, deu um beijo na testa e foi embora. Fiquei sem saber o que fazer, pra onde ir. Ela me deu um nó na cabeça com estilo.”. Jameson entendia o que tinha acontecido, talvez entendesse até melhor que Tom, mas sabia que essa distração era melhor para o amigo do que as lembranças de um namoro que não deu certo. Preferiu não cortar as esperanças dele. “Putz… é complicado quando elas fazem isso. Abusam da sensualidade e deixam aquele gostinho de quero mais… Ela deu sinal de vida hoje?” “Deu nada, nem no Facebook. Eu dei uma bisbilhotada lá, admito! Deve estar trabalhando. A vida dela é corrida pra caramba.” “Claro que é, Tom, claro que é. Garçom, dois menus confiance por favor. Vamos ver o que esse chef tem de melhor!”. O cara era bom mesmo. Foi um dos melhores almoços que eles tiveram.

Tom 6

[Já leu Tom nº 0nº 1nº 2,  nº3nº4 e o nº5? Mudaram algumas coisas, principalmente a partir do 4.]

Tom rapidamente chegou em casa e não tardou a dormir. A mesma euforia que o álcool o dava era retirada algumas horas depois como se fossem as muletas de sua vontade de permanecer acordado, ele simplesmente não conseguia nem queria resistir. Dormiu e dormiu pesado. Era a madrugada de uma terça-feira e ele não tinha nada marcado para quando acordar. Isso era a melhor coisa do mundo. Não importava ter que trabalhar até meia-noite, o importante era simplesmente não ter uma hora para se levantar, deixar o seu corpo descansar o quanto ele acha que merece. Isso sim é vida, ele sabia.

Mais uma vez a noite de sono não foi das mais tranquilas. Os pesadelos o atormentavam mais uma vez, ele nem sabia por que. Na verdade, não conseguia lembrar de seus sonhos na maioria das vezes. Acabava tentando não se importar com isso ou o que quer que aqueles pesadelos dissessem, mas o mal estar permanecia por bastante tempo. De vez em quando ele achava que era a ressaca, mas provavelmente era os dois.

Levantou-se. Estava meio zonzo ainda, sentia uma dor de cabeça terrivel e a sede que secou o deserto do Saara. Porém isso pouco lhe importava no momento. Tinha uma ideia na cabeça, ideias para Tom vinham nos momentos mais inusitados. O importante era correr para não perder o pensamento, pois na mesma velocidade que chegavam eles sumiam. “Nunca soube porque deveria ser assim, eu que sempre te quis perto de mim, desde pouco tempo atrás, mas que parece uma eternidade”, ele sabia que não era bom de rima. Escrevia poesia e pensava em música, de vez em quando dava certo. Nem sempre era sincero no que escrevia, na maioria das vezes não importava, por que não deixar a imaginação guia-lo e levá-lo a um mundo diferente? Parecia tão óbvio… E ele escrevia sobre amor, era o instinto mais natural, que mais mexia com ele. Raramente tinha conseguido escrever alguma coisa que fugisse disso, na maioria das vezes funcionava e estava satisfeito. Ficou feliz por conseguir escrever logo duas letras. Quando vinha não dava para ser de uma vez só. Ele chegava ao ponto de se contrazier em cinco minutos, nada de novo. A imaginação era dele e mais de ninguém.

Agora sim podia ir atrás de consertar o que tinha de errado com ele: a sede e a dor de cabeça. E o cabelo que encrespava quando ele ir dormir sem tomar banho, genética triste. Ligou o som bem alto, era um vinil de Chuck Berry, tomou um remédio para dor de cabeça, entornou uma garrafa d’água e foi para o chuveiro, onde provavelmente acabou bebendo o dobro do que tinha bebido antes. Saiu do banho dez minutos depois, renovado. Não tinha nem mais remelas para reclamar, tudo parecia perfeito.

Ligou seu computador, viu que ainda eram 10h30 da manhã. Tinha tempo de sobra para colocar as coisas em dia e trabalhar. Quando a tela acendeu, seus primeiros reflexos foram olhar algumas notificações no Facebook para ver se alguém tinha falado dele ou com ele, procurar qual era a causa humanitária do dia em que poderia ajudar curtindo ou compartilhando a imagem a troco de imaginários cinquenta centavos, abominar algumas postagens que ele achava absurdamente desnecessárias e, enfim, colocar sua próxima música do desafio dos 365 dias colocando uma música que lembrava algum momento. Ele estava no 15º dia deste desafio e sabia que não chegaria ate o final. Tampouco se importava.

Rotina social feita, hora de olhar as catástrofes do mundo nos sites de notícia. Não que isso fosse mudar a vida dele, mas de vez em quando aparecia alguma coisa que ele achava importante. O mundo continuava uma desgraça, algumas notícias amarelas tentavam fazer um contraste, e no final das contas era mais do mesmo. Olhando a parte de tecnologia, o de sempre. Alguma empresa lançando alguma coisa, clamando ser algo único, revolucionário e must-have e ele sabia que não passava do mesmo besteirol de sempre. A tecnologia em alguns momentos andava a passos largos, mas na maioria das vezes ia steady as she goes, como ele gostava de dizer. Empresas comprando empresas, parecia até que elas tinham absorvido o comportamento humano de comprar e vender coisas, mas agora era em larga escala. Em uma reunião de poucas horas em algum lugar bastante luxuoso e com uma equipe de 15 pessoas era definido o futuro de dezena de milhares.

Na verdade, Tom achava que boa parte desse sistema estava errado. Não que as empresas não devessem comprar e vender outras empresas menores, mas estava tudo supervalorizado. Parecia que até os grandes presidentes, CEOs, CFOs, e outras siglas chiques, estavam caindo na lábia do produto único e revolucionário, super-ultra-mega-blaster tampa de crush. Davam milhões ou bilhões para coisas que não pareciam fazer muito sentido, até um site de receitas entrou na lista dos controlados do Google pela bagatela de alguns milhões. Tom imaginava o quão felizes deviam estar os fundadores. Era o suficiente para passar a vida sem stress algum. Não que isso fosse acontecer, pois na semana seguinte os caras estariam com alguma ideia e logo logo teriam um zilhão de problemas pra resolver, gastariam boa parte do que tinham ganho para uma tentativa de criar outro negócio que dê certo. Mundo louco, ninguém sabia aonde ia parar ou quando aquela bolha da criação em excesso ia acabar, nem Tom.

Sua barriga roncava e ele não tinha paciência de cozinhar hoje. Mandou uma mensagem para Jameson, seu grande amigo. Era Alice, a anjinha, de um lado, e Jameson, o diabinho, do outro. Os dois tinham tudo para não se gostarem, mas no final das contas acabavam se completando e sendo grandes amigos para Tom. “Brother, estou faminto. Numa ressaca do cão e sem paciência para cozinhar. Vamos comer alguma coisa?”. Jameson, outro compulsivo por tecnologia, logo respondeu “Com certeza! Saio da obra em 20 minutos e vou te pegar, pode ser?”. Ele era um engenheiro bem sucedido. Provavelmente ganhava o dobro de Tom e gastava quase tudo. Ele sabia curtir a vida, Tom adorava isso nele. Foi vestir-se para esperar seu amigo. Sempre pegava carona com ele, evitava dirigir porque sabia que não bastava ser um desastre no volante, também não tinha paciência para o trânsito. O assento do copiloto era seu lugar.