You shook me all night long

Estava perdido em mais uma noite daquelas. O bar estava cheio, as pessoas gritavam, bebiam e dançavam num quase-ritual de sacrifício humano. E estavam todos felizes. Eu tinha meus motivos e compromissos ali, mas, se perguntassem, a resposta seria muito clara: eu preferiria estar em casa. O pior em relação a ser obrigado a ir a algum evento era a ausência de pessoas conhecidas. Talvez isso fosse uma coisa boa – eu era um pouco bipolar.

O desprendimento de um grupo de amigos ou uma acompanhante me permitia observar com mais atenção as pessoas ao meu redor. para cada uma eu já tinha uma análise esteriotipal pronta. Se eu falasse para alguém que fazia isso, a rejeição já viria na expressão facial, mas a concordância viria depois, afinal esteriótipos foram criados por algum motivo. e era esse motivo que me levava a ficar observando pessoas: esteriotipar os outros me permitia ter mais chances de acertar minhas análises e isso me fazia contente.

Os personagens de sempre estavam lá: o cantor que só ia dar uma canja no show principal, mas estava tomando todas, falando mal da música atual e já se preparando para ir a mais uma festa, o escritor de estilo alternativo, que até era bem conhecido entre os seus, apesar de estar lá apenas com a companhia de doses de whisky e goles d’águas, entre outros seres caricatos que estavam sempre lá. Só senti falta da gordinha de cabelo curto pintado de vermelho que sempre estava em frente ao palco, dançando com sua alegria contagiante.

A noite fugiu um pouco do padrão quando uma mulher me chamou à atenção. Não a conhecia, mas tinha ideia de quem ela era. Uma produtora de festas mainstream era tudo que eu sabia sobre ela. Talvez nem ideia eu tinha sobre a jovem senhorita, mas eu já tinha algum esteriótipo formado em minha cabeça. Me despertou a curiosidade saber o que ela fazia em um show de blues. Será que ela gostava ou será que acompanhava seu namorado em mais uma missão de paz para seu relacionamento?

Logo esses pensamentos sumiram da minha mente. Esqueci quem ela era e foquei em como ela estava naquele momento. Devia ter seus 1,75m, quase a minha altura, e eu achava isso bastante imponente por parte dela. Vestia uma blusa de mangas longas um pouco see-through para seu sutiã de renda, uma bermuda curta que contrastava com as mangas longas da blusa e um all-star de algum modelo diferente. Voltando a olhar para cima, eu reparei um lenço enrolado em seu cabelo como um pequeno turbante, complementando ainda mais seu sorriso e sua beleza, suas pele morena-clara e suas pernas bem definidas.

Estava acompanhada de seu namorado e um grupo de amigos de algum clube de motociclismo. A delicadeza do seu visual ia de frente aos piercings, tatuagens e decotes bem expostos de suas amigas. Porém, a cada minuto ela se desprendia mais. Com sua cerveja na mão, dançava de acordo com o ritmo da música de maneira tão natural que me surpreendia. Achava que ela ficaria entediada naquele ambiente, com aquele “som estranho”.

Ela conseguia explorar sua sensualidade de maneira que nunca parecia ser vulgar, era quase uma brincadeira de criança para ela. Aproximava-se de suas amigas, enroscava-se em suas pernas e fixava bem o olhar na sua “refém”. Até agora não encontro nenhuma explicação lógica para alguém querer escapar daquela prisão maravilhosa de suas pernas. Sua intensidade e carisma provavelmente chamaram ainda mais a atenção de das pessoas que estavam por lá, mas ela não se importava, era bem superior a tudo aquilo. No meio de um solo de trompete, cada compasso era um rebolado seu, acompanhando cada momento deste transe musical com leveza e graça no meio de uma música tão intensa. Para ela o tempo e o espaço eram desprezíveis, só o ritmo interessava.

Após os momentos mais intensos, iria voltar aos braços de seu namorado, descansando e o amando. Eu ria comigo mesmo do fato de ele ser menos intenso do que um solo de trompete, isso até me ajudava a se sentir melhor, mesmo destilando inveja e ciúmes por minha boca.

Talvez, no final do dia, todos nós queiramos algo menos intenso e mais reconfortante, como um travesseiro.

Ugo.

[deturpação do cotidiano]