Ela dançava

[ e o post número 100, por total coincidência, é um conto. Totalmente a parte da história de Tom, por sinal. ]

Estava triste, o namoro tinha acabado há menos de uma semana e ontem tinha sido dia dos namorados. A noite, especial em vários outros anos, foi das mais melancólicas possíveis. Um vinho barato, mas de bom gosto, Leonard Cohen compunha sua trilha sonora de derrotas amorosas e a Internet lhe mostrava as maiores felicidades e mentiras de todo o ano. Todos se amavam, estavam felizes e surpreendiam-se de maneiras mil. Ela só queria que esse dia e essas lembranças acabassem. Dormiu.

Hoje o dia tinha sido mais tranquilo. Ainda assim tinha que aturar as fotos de todas as comemorações do dia anterior, menos aquelas que ficaram guardadas para sempre ou até algum dos dois revoltar-se por um motivo qualquer e espalhá-las ao mundo. No trabalho, mil cochichos sobre tudo que tinham feito nas noites passadas. Ela ouvia música, trabalhava e esperava o dia acabar.

No final da tarde, duas amigas, que também estavam solteiras, a bombardearam de mensagens, chamando para uma festa que ia ter. Era quinta-feira, normalmente não faria isso num dia de semana, mas realmente precisava.

Foi para casa, tomou um banho quente. Sua cabeça estava na lua, um turbilhão de pensamentos desconexos a tiravam da realidade. Nada que no final das contas fosse importar. Ela sabia que hoje nada importava. Sentia-se quente e acolhida pela água do chuveiro, mas não poderia passar a noite toda assim. Pela primeira vez desejou de verdade ter uma banheira, mas ao mesmo tempo esperava nunca ter de precisar deste tipo de conforto em troca de algo mais natural. Saiu do banho e, não muito depois, já estava vestida e tomava uma taça  de espumante. Esse era dos bons de quem sabia o que queria. Suas amigas chegaram num táxi e ela partiu.

A boate era escura, de ar londrino, e uma música diferente do habitual estava tocando. Ela estranhou num primeiro momento, mas não era isso que importava hoje. Seus olhos visitaram todo o espaço, casais eram poucos, isso a deixou feliz. Viu alguns grupos de amigos, mas nada muito interessante. Foi chamada pelas amigas para pedir sua bebida. As duas amigas já estavam bebericando um espumante, mas não era disso que ela precisava. Tomou uma dose de tequila, não fez cara feia e pediu uma caipirosca de limão para lavar o paladar do gosto forte de álcool.

O tempo foi passando e mais caipiroscas foram tomadas. A conversa girava em torno do mesmo assunto : ex-namorados e as comemorações de ontem. Até o ponto que nada de novo era falado e todas entreolharam-se e não tinham nada a dizer. Cada uma bebia calmamente de seu copo e não faziam nada mais, até que o DJ tocou uma música diferente.

A atmosfera mudou repentinamente. Talvez tenha sido só o efeito do álcool atacando seu corpo. Levantou-se sem dizer nada e começou a dançar. A pista de dança estava cheia, mas ela não se importou. Tinha a impressão de que há anos não fazia algo como isso e que finalmente estava se livrando das algemas do relacionamento que por tanto tempo a restringiram.

Não tinha quem a parasse, dançava com todas as pessoas que a encaravam, mas não deixava chegarem muito perto. Sabia o que estava fazendo, apesar de tudo. Envolveu o ambiente com sua felicidade e seu gingado. Puxou o primeiro rapaz que viu para dançar uma música com aspirações latinas que tinha acabado de começar. O segurou firmemente durante toda a música, resistindo a todas as investidas dele. Fechou a sua apresentação com um grand finale: o beijou com gosto e agressividade, esperou que ele processasse tudo que tinha acontecido nestes poucos segundos de dança. Quando finalmente caiu a ficha, percebeu seu corpo sentindo o prazer e sinalizou que queria mais, ela o dispensou e, finalmente, transcendeu.

Tom 10

[Esse é o décimo capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

O trajeto foi curto e logo chegaram à festa. Era numa área industrial abandonada e a decoração meio steampunk dava um charme ao local que se não fosse pelo evento estaria abandonado. A maior parte do público estava longe de ser do interesse de Tom. A reforma de um galpão atraía mais uma sociedade que buscava os holofotes, nem que fossem daqueles canhões de luz do Batman. O ligeiro desgosto passou à medida que lhe deram mais uma cerveja. Difícil ter pensamentos negativos quando aquele líquido geladíssimo e amarelo esfriava sua garganta e sua cabeça.

Estava com seus melhores amigos que tudo que tinha que fazer nessa noite era se divertir e isso não parecia ser difícil. A música estava alta e a comunicação comprometida, era uma festa como qualquer outra. Música alta era uma coisa boa, a não ser que o cara do som decidisse estourar o grave além do que os subwoofers aguentavam, senão viraria uma tortura que só os loucos ou os embriagados aguentariam. E a comunicação parecia evoluir, ou quem sabe regredir aos mais básicos instintos em que o olhar e as expressões faciais teriam que dizer tudo. Não era onde Tom se sentia confortável, mas era uma oportunidade de conhecer gente nova, esquecer os problemas e assistir ao show daquela banda estranha que basicamente só ele conhecia.

Rapidamente o trio encontrou outros amigos, gente daquelas que só se via a cada show, festa ou aniversário, mas que ainda assim eram bons amigos. Em momentos como esses não era necessária nenhuma profundidade, só pessoas já conhecidas com quem se podia se divertir. Ainda assim, Tom foi atrás de uma cerveja e uma dose de tequila. Era o mínimo para começar a noite e quebrar as barreiras que ele tinha. O problema era que sua cabeça e seu corpo praticamente só conseguiam lidar com três possíveis estados psicológicos: sóbrio, alegre e embreagadamente alucinado. Ele raramente conseguia ficar em um estado de alcoolemia intermediário em que pudesse estar desinibido e alegre o suficiente, mas não fora de controle como ficava. Era difícil chegar a esse ponto ideal.

Depois de tomar seu shot de abertura, pegou a cerveja e saiu andando ao sentido oposto de seus amigos. Não que quisesse fugir, mas era hábito seu dar um passeio sozinho para ver como estava a festa e ver se havia outras pessoas conhecidas, aquela velha reconhecida de território era inevitável. Ele não era o cara mais conhecido do mundo, mas tinha sua pequena cota de amigos, amigos dos amigos e amigos dos amigos dos amigos. Era o suficiente para ajudar uma festa a ter vários momentos diferentes e Tom não conseguia evitar pulando de galho em galho.

Não viu nada que merecesse muito destaque. Falou com alguns amigos, reencontrou gente que não via desde a última festa em que esteve. Gente até cujo aniversário tinha passado, mas Tom tinha parado de dar parabéns no Facebook por achar superficial demais. Terminada a primeira ronda, repetiu a a tequila e a cerveja e voltou a seus amigos. O DJ estava empolgado com um som bastante diferente do que tinha na época, o que fazia com que boa parte do público se sentisse deslocada e alguns até incomodados, mas só deixava Tom feliz. De The Faint tocando Paranoiattack a The Kills com No Wow, ficava difícil parar de dançar. Esse sentimento continuou por aparentes incontáveis minutos, até que as luzes, que já estavam baixas, apagaram-se quase por todas. Ia começar a grande atração da noite, uma banda que tocava músicas aleatórias sobre desilusões amorosas e misturava com guitarras quase gritantes. Tinham conseguindo quebrar toda a empolgação de Tom sem aparente esforço, não havia muito a se fazer. Foi mais uma vez ao bar. Já era a terceira tequila e provavelmente seria a quinta cerveja. Não tinha ninguém para pedir a ele para moderar no consumo, ele tampouco achava difícil parar.

Até o show acabar já estava difícil manter a conta de quantas cervejas e tequilas tinham sido. A melhor maneira de saber disso era olhar na carteira e deduzir quanto dinheiro tinha sobrado do que tinha-se trazido, mas ninguém se importava muito com isso. A festa ainda continuava, Tom estava imparável outra vez. Ele realmente tinha gostado do coletivo de DJs que tinha organizado essa festa. Não entendia muito bem porque escalaram aquela banda meio nada a ver, mas era a vida, eram as amizades, o dinheiro ou algum outro motivo desprezível. Jameson já estava encostado na parede com a provável terceira garota da noite e provavelmente as outras duas nem sabiam disso, ele so estaria pegando um drink. Alice estava com um grupo de amigos, mais precisamente dando atenção a um cara qualquer que ela tinha achado interessante, mas que seria esquecido um dia depois. As outras pessoas estavam dançando, conversando, fofocando e bebendo.

Tudo normal indo madrugada a dentro, até que Tom, de relance, imaginou ter visto Roberta. Estava confuso e não tinha certeza. Tentou procurá-la por bastante tempo e começou a achar que era uma ilusão, afinal estava bêbado. Mas sua consciência embriagada estava certa. Roberta estava lá. Não pensou muito, afinal não tinha nem cabeça para isso. Foi andando em direção a ela, cumprimentando-a com um abraço bem apertado e com o hálito de álcool mais forte possivel. “Oooi, Beta! Tudo bom??” Ela não respondeu com o mesmo entusiasmo: “Oi, Tom, tudo bom?”. Por não estar bebendo, não tinha mesma empolgação dele. Tom prosseguiu: “Como você está, minha linda??” Estava dotado da autoconfiança que nunca teve sóbrio, mas no pior momento possível. Roberta deu um sorriso natimorto: “Tudo… e com você?” “Estou ótimo, muito bem! Só estava preocupado porque você não tinha dado mais sinal de vida desde aquele dia…” “Ah, estava trabalhando, ocupada, sabe como é, né…?” O desconforto dela era visível para todos, menos para Tom. Quando ele foi responder, apareceu uma mão puxando Roberta e perguntando: “Esta tudo bem, gatinha?”. Tom não identificou facilmente quem estava intervindo na conversa, afinal estava bastante escuro e barulhento. Porém, poucos instantes depois, o canhão de luz, de maneira quase que intencional, mirou na cara: era Luiz, o chefe de Roberta. Eles haviam retomado o namoro e Tom ficou sabendo disso da pior maneira possivel, mas manteve a expressão mais neutra possivel no momento. Roberta disse “Não, querido… É so um amigo meu um pouco bêbado e que estava acabando de dizer que precisava ir ao banheiro. Até mais, Carlos, um beijão!” Ela aproximou-se de Tom, deu-lhe um beijo em cada bochecha e virou-se. Era incrivel como ela conseguia ser cínica de forma tão natural.

Saiu caminhando atordoado. Não entendia muito facilmente o que tinha acontecido. Foi aí que esbarrou com Jameson, que disse “Tom, você está vivo?? Que cara de zumbi é essa? Vem cá, vem tomar um drink e conhecer umas estudantes de educação física que eu encontrei por aqui”.

Tom 9

[Esse é o nono capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

Após de comer e passar algumas horas assistindo seriado, Tom acabou cochilando no sofá. Acordou poucas horas depois com seu celular gritando Never Gonna Give You Up, de Rick Astley. Ninguém entendia porque ele tinha um ringtone tão estranho, ele tampouco se importava muito em explicar. Foi atender e viu que era Jameson. O fogo que seu amigo tinha era inacabável e incontrolável. Sábado nunca era dia de ficar em casa e não havia desculpa. Se fosse depender de Tom, o mais longe que ele iria era na Ovelha Negra tomar uma cerveja antes de findar a noite, mas seu amigo sempre aparecia com alguma proposta para fugir do aconchego de seu lar.

A história de hoje era o show de uma banda de rock local. Tom não lembrava direito nem o que era, mas tinha certeza de que sabia mais da banda do que seus amigos que iam. Na verdade a maior parte deles nem se importava, valia mais a festa, as pessoas e a bebedeira, o som virava consequência. Uma característica de Tom era ter uma memória que conseguia guardar mais detalhes do que ele precisava sobre bandas, gêneros musicais e o mundo da música. Muitas vezes era chamado de chato porque em momentos de embriaguez não conseguia parar de conversar sobre o artista X que estava tocando na banda Y, mas gravou o CD Z com o seu outro amigo. Talvez fosse o assunto certo na roda errada, mas era difícil parar, principalmente depois da quinta cerveja.

Tom não estava 100%. Sentia que seria melhor se ficasse quieto em casa, mas procurava nunca negar os convites de Jameson. O cara raramente arranjava uma roubada e esse “Pedigree” dele deixava Tom mais tranquilo. Vasculhando o Facebook do show/festa/quase-micareta viu que Roberta tinha confirmado sua presença. Ele não sabia como se portar em relação a isso, o misto de querer e não querer o deixava angustiado. Tinha que entorpecer seus sentimentos um pouco e abriu a primeira cerveja. Tinha passado uma ótima noite sem pensar nisso e pela segunda vez esse sentimento estranho voltava para fazer seu coração palpitar.

Uma semana parecia ter sido o suficiente para esquecer todos os meses de sofrimento sem Marina. De certa maneira, sentia-se um viciado. Foi necessária apenas a reinserção de uma pessoa na sua vida e toda uma necessidade tinha sumido e se canalizado em Roberta. Devia chamar isso de vício do amor, síndrome da paixão aguda ou qualquer nome de banda de brega. Tom sabia que não era assim com ele normalmente, mas de vez em quando parecia impossível curar-se. Desapego era uma coisa complicada.

Abriu uma segunda cerveja e começou a se arrumar. Não que isso levasse muito tempo, mas Jameson chegaria em vinte minutos e Tom não gostava de se atrasar. Pouco tempo depois, ja estava quase pronto para sair. As mensagens trocadas com seu amigo significavam que teria cinco minutos para vestir sua calça e calçar seu tênis, exatamente como planejado.

Jameson chegou dirigindo o carro e seu motorista Dinho estava no outro banco da frente, com Alice sentada no banco de trás sozinha. Sempre que estivesse sóbrio, por mais que Dinho estivesse do seu lado, Jameson tinha que estar dirigindo. Desesenvolvia suas habilidades de piloto do asfalto desde sua adolescente, época em que tinha que visitar sua família no interior. O problema era que a necessidade tinha virado vício e seu motorista dirigia menos que o seu patrao.

Alice, como sempre, estava fazendo cara feia e tinha razao. Jameson estava longe de ser o motorista mais prudente da cidade, além de ter um gosto musical demasiadamente eclético, contando com uma seleção especial para impressionar as mulheres. Nem Alice nem Tom achavam isso interessante ou sequer efetivo, mas era Jameson e ele não iria mudar.

Tom 8

[Esse é o oitavo capítulo. O resto, que começa no capítulo 0, pode ser encontrado AQUI.]

Depois de um almoço excelente, Tom estava bem satisfeito, quase 100% satisfeito. O único problema era que Roberta tinha decidido não dar mais sinais de vida. Essa era a pior parte. Não que aquilo que tinha acontecido um dia antes tivesse sido um encontro ou algo que acarretasse em alguma obrigação por parte dela, mas Tom queria. Tampouco sabia qual era o momento certo para voltar a falar com ela sem parecer desesperado, esse tipo de dinâmicas sociais sempre o assustaram bastante e ele nao tinha lido a cartilha. Preferiu esperar para ver se receberia algum sinal de fumaça da menina.

Jameson o deixou em casa e, assim que saiu, cantou o pneu do carro para chamar a atenção dos transeuntes. Não bastava estar dirigindo o automóvel mais badalado do ano, ele ainda tinha que fazer barulho no meio da rua. Isso já tinha incomodado Tom algum tempo atrás, mas depois fica mais fácil de se acostumar e simplesmente não dar nenhum valor a isso. Esse aprendizado veio com muito custo, pois enquanto seu amigo sempre esteve bastante adaptado à sua vida de engenheiro, Tom ainda tinha aprendido o que queria da vida da maneira mais complicada. Em certos momentos da vida chegava a se questionar se estava fazendo o que queria e se irritava facilmente com algumas coisas que lhe eram pedidas. Foi necessário bastante força de vontade e compreensão para entender que nem sempre dava para fazer so o que ele queria, mas entendia também que fazer papel de bobo estava longe de ser uma opção. Relevou o comportamento de Jameson mais uma vez, não tinha outra coisa a fazer.

Entrando em sua casa fez o de sempre: colocou um vinil aleatório, mas de bom gosto, acendeu o monitor do seu computador, que nunca era desligado, pegou um copo d’água e foi trabalhar. Não tinha nada de novo no fronte. Na verdade, a semana toda foi bastante normal. Trabalho, seriados, comida delivery. Games, mais trabalho, conversas nonsense com amigos, mas praticamente só saindo de casa para comprar pão. Não enviou nenhuma mensagem para Roberta e por mais que apertasse o display de seu celular, não recebeu nada. Talvez aquele surto de carência dela estivesse curado, o de Tom parecia que so tinha começado.

Quando chegou a sexta-feira, alguns amigos de Tom da internet o chamaram para jogar. Eram pessoas que ele conhecia ha anos, falava quase todo dia e ainda assim tinha falado com poucos ao vivo. Alguns mais velhos tinham aproveitado as férias ou alguma viagem a trabalho para visitar Tom e sua cidade. Tom, por sua vez, tinha feito isso algumas vezes e tinha gostado do resultado. Fortaleceu amizades que têm durado bem mais do que algumas começadas com gente que morava bem mais perto e ainda assim conseguia ser infinitamente mais distante. De vez em quando, Tom se questionava se a distância era um fator que ajudava um relacionamento a durar. O último ano, em que passou morando com Marina, tinha sido diferente. De certa maneira, muito bom e intenso, propiciando algo que ele desejava há muito tempo e que parecia que seria para sempre. Sentia prazer em cuidar dela, saber o que ela queria sem que tivesse que perguntar. Ela dizia que ele era um ótimo dono-de-casa. Tom já era um analista de mídias sociais freelancer, Marina era gerente em uma empresa multinacional. Eles pareciam serem opostos perfeitos, mas tinham dado certo ate um ponto. E desde a revelação de Marina e seu amante tudo tinha desmoronado. Talvez um pouco menos de intensidade pudesse ter feito tudo aquilo dar certo, talvez não.

Abriu a primeira cerveja, certificou que o headphone, o mouse e o teclado estavam certinhos e entrou no Skype. Logo estava em uma chamada com quatro grandes amigos e seu jogo estava aberto. Ele não era um grande fã de jogar em equipe. Sempre tinha tido esse lado mais individual mais forte, mas mesmo assim era bom em se adaptar. Isso o tinha feito capitão do seu time no jogo, pois sentia sempre aquela vontade em mandar e guiar o time ao melhor possível. Era difícil ficar calado quando não concordava em alguma coisa. Apesar de serem apenas amadores de um game qualquer num mundo vasto e cada um ter sempre algo mais prioritário para fazer da vida, eram unidos e felizes.

Tom sabia que seria uma noite recheada de emoções. Algumas vezes algum outro amigo dele o questionava, dizendo que jogo, ou “joguinho”, era coisa de criança. Era algo extremamente irritante, mas ao mesmo tempo dava abertura a um discurso ensaiado infinitamente por ele. Cada pessoa tinha seu passatempo. Cada pessoa usava seu tempo da maneira como bem preferia. Por que diabos há pessoas que acham que todos são iguais? Isso é a coisa mais impossível e absurda de todas. Tinha gente que preferia passar a noite bebendo em um bar, tinha gente que preferia ir para um show, uma festa, uma balada, um culto ou sei lá o que. Não há um padrão de comportamento pra todos e, caso alguém tivesse inventado, Tom dizia que seria o primeiro a intervir e dizer que não era verdade. Para ele, a sexta-feira era um ótimo dia para desopilar e esquecer a semana de trabalho, tomando uma cervejada gelada e jogando com grandes amigos, ainda que não fosse presencialmente.

Nesta noite em questao, Tom estava empolgado. Não só teve um bom desempenho, como também conseguiu tomar todas as cervejas que tinha na geladeira. E não eram poucas. Do meio da noite até seu fim as pessoas nao entendiam muito bem o que ele queria dizer. Tampouco se importavam, uma vez que quase todos estavam longe de sobriedade. Com o passar das horas Tom e seus amigos cada vez mais iam tendo um desempenho pior. Não conseguiam levar o jogo a sério. A alegria e todo o álcool que transpirava de cada um tinha eliminado qualquer preocupação, era quase uma morfina.

O efeito foi tão forte que Tom só se lembrava ter acordado no dia seguinte com uma enorme dor de cabeça. Um dos primeiros reflexos foi ligar o celular e ver se algué mtinha tentado falar com ele. Tinha uma mensagem. Na hora, ressaca, sede, dor de cabeça e qualquer outro tipo de mal-estar tinham sumido. Roberta tinha mandado alguma mensagem e ele não tinha visto. Destravou seu celular e apertou imediatamente no ícone de mensagens. Quando viu, era Alice. Tinha perguntado se Tom ia sair ou o que ele iria fazer, o barulho e toda a bagunça da noite passada tinham feito tanto o celular como qualquer pensamento sobre Roberta passarem batidos. Tinha sido um alívio necessário para uma mente perturbada como a dele. Com o susto passado, disse a Alice o que tinha acontecido e perguntou sobre o que ela iria fazer, afinal era sábado e Tom normalmente não ficava em casa.

Mensagem enviada, consciência um pouco aliviada e o coração ainda palpitando um pouco. Foi tomar seu banho, alguns copos d’água e um remédio para dor de cabeça. Vestiu-se e foi correndo na kebaberia que ficava a alguns quarteirões de casa. Tomava remédio só porque sempre tinha, mas para ele o que salvava uma pessoa da ressaca era um bom kebab acompanhado de batatas fritas e uma Coca-Cola gelada. Isso sim era a receita da salvação de um fígado debilitado.

Voltou rapidamente para casa com uma delícia cilíndrica que comprimia o melhor dos pães sírios, uma carne esfacelada e deliciosa, diversas verduras e um casal de molhos perfeitos: um molho branco à base de iogurte e um molho vermelho à base de tomate. Dividiu o kebab em dois com uma faca, preparou uma jarra que ele tinha comprado na Ovelha Negra e que, segundo diziam, cabia quase 600ml de qualquer líquido, com muito gelo, rodelas de limão e a Coca. Para completar, uma recém-feita porção de fritas. Era isso, um seriado, tchau e bênção. Não precisava de mais nada neste dia.

Tom 7

[Já leu Tom nº 0nº 1nº 2,  nº3nº4nº5 e nº6 ? Mudaram algumas coisas, principalmente a partir do 4.]

Tom não era um cara de um restaurante só. Ele com certeza gostava de se sentir o clima familiar do seu bar favorito, mas quando falava em almoçar fora ele preferia variar e conhecer o que havia de novo na cidade, um bom hábito que tinha vindo de família. Chegou com Jameson no mais novo restaurante japonês da cidade. Não tinha cara de ser barato e isso não incomodava Tom. Ele não era rico, mas desde sempre um de seus maiores esforços foi garantir dinheiro suficiente para suas principais extravagâncias: comida e bebida. O dinheiro a ser pago na Ovelha Negra ao fim do mês estava sempre reservado e do mesmo jeito era quase impossível faltar alguma coisa para sair para comer.

O maitre, que era um maitre de verdade, ao contrário de Reginaldo, os mostrou uma mesa no meio do salão. Tom não gostava, teria que olhar só para uma parte do restaurante. Gostava de ficar quase encurralado no finalzinho do restaurante, de preferência com a vista para a porta de entrada. A única coisa que pedia era para não ficar preso entre outras cadeiras, odiava sair empurrando o pessoal. Por sorte, havia uma mesa exatamente deste jeito e Tom não hesitou em pedi-la. Uma vez tinha sido bastante tímido, mas a vida fez com que ele largasse o “bastante” e agora dissesse que era apenas tímido, na dele.

O restaurante era lindo, uma verdadeira obra de arte da arquitetura moderna, seja lá o que fosse isso. Ele só sabia que era bonito e de bom gosto. Talvez as luminárias coloridas fossem um pouco exageradas e o pé direito talvez alto demais. Com certeza não queriam fazer um restaurante tradicional japonês, até a música dizia isso. Era um som bem intimista que subia e descia e algumas vezes dava pra perceber que realmente tinha um som tocando, algo do tipo Funk Porcini ou outra coisa assim bem lo-fi e que combinava com a vibe do ambiente.

As pessoas que visitavam esses lugares novos seguiam um padrão. Padrão esse que na verdade era uma série de outros padrões: de classe social, ostentação, exageiro, etc. Provavelmente em um teste cego não saberiam diferenciar, em sua grande maioria, Cidra Cereser de Veuve Clicquot. O importante era estar no point do momento, junto com a sua turminha “descolex”, posando para a coluna social de sua preferência. Tom não se incomodava, pelo menos não muito. Era indiferente demais com esse pessoal para que pudesse o afetar de alguma maneira. Tinha descoberto que era mais fácil deixar cada um na sua, vivendo a vida da maneira como escolheram por mais que discordasse que a função ir a um lugar novo fosse exibir sua presença lá ao invés de provar um mundo novo oferecido por algum restauranteur inspirado.

Jameson era mais simplista ainda. O seu paladar não era dos mais refinados, tinha tido uma formação gastronômica muito tradicional e em sua infância teve pouco acesso a restaurantes gourmet ou qualquer coisa que fugisse do que seus pais estavam habituados. Porém, na medida que foi ganhando dinheiro, começou a viajar para outros países, conhecendo novas culturas, hábitos e paladares. Tom também o tinha ajudado bastante. Conheciam-se desde a época de colégio e sempre que podia, Tom conhecia novas culinárias e falava para Jameson, que não hesitou ir atrás disso quando seus primeiros salários foram depositados.

O almoço deles era sagrado, poucas vezes algum outro amigo se intrometia. Procuravam sempre chegar no restaurante antes das 12 para evitar o horário de pico e poderem apreciar um serviço mais dedicado. Raras vezes saíam antes das duas da tarde, sempre tinham algo a conversar e a pressa quase inexistia para os dois. Nessa tarde não seria diferente.

Na verdade, o papo já começava no carro. O trânsito ajudava a alongar as conversas, algumas vezes podendo durar até uma hora a “viagem” para um simples restaurante. O obstáculo era sempre superado com bastante facilidade. As conversas iam desde música e viagens à vida de mulherengo de Jameson. Tom havia estado comprometido por vários anos com Marina e raramente ele tinha algo interessante a dizer sobre os dois. Jameson, por sua vez, não conseguia um namoro fixo desde que as coisas não tinham dado certo com Mariana, anos e anos atrás.

O garçom os levou o cardápio e perguntou se tinham interesse na carta de vinhos. Os dois negaram em unissom. Não apreciavam vinho e nunca tinham entendido porque. Além do mais Tom não bebia de dia, dava sono no resto da tarde. Pediram de entrada o ceviche, prato mais peruano de todos os japoneses, e alguns sushis flambados com um camarão posto em cima no estilo cereja-do-bolo. Estava excelente, sem dúvida.

Tom, ainda com a comida na boca, abriu a conversa sobre a vida dele: “Cara, fui no domingo pra uma festa do pessoal do colégio. Aquela que tu não pudeste ir pro causa da tua viagem. Encontrei com Alice lá e depois fui pro Ovelha Negra choramingar minha vida amorosa pra ela.”. “E aí, deu em algo?”. “Claro que não, hehe. Na verdade é sempre bom desabafar. Torna o espírito mais leve e pronunciar as palavras faz com que elas se encaixem melhor na nossa cabeça. De vez em quando o pensamento tá muito preso à primeira vez que ele foi concebido e aí fica difícil de mudar, causa até um bloqueio. No final das contas valeu a pena a conversa”. Jameson já sabia o que esperar da conversa de Tom com Alice e não ficou surpreso com o resultado. Enquanto comia o último pedacinho de peixe marinado no leche de tigre, Tom disparou: “Mas o que foi mais interessante não foi nem essa conversa, foi ontem. A ressaca que estou agora veio lá do Ovelha Negra…” ao que foi imediatamente interrompido por Jameson: “Novidade…”, prosseguiu: “É, difícil imaginar de onde teria vindo né?” Deu uma risadinha de compaixão com o amigo. “Estava trabalhando em casa no meio da tarde e de repente recebi uma mensagem de Roberta. Estava querendo conversar comigo e eu sabia que o namoro dela com aquele escroto do trabalho dela tinha acabado. Ela estava precisando de um ombro amigo…”. Jameson não segurou a risadinha maléfica, para ele o significado disso era claro. Para Tom, normalmente não tinha esse segundo entendimento. Cada um operava da sua maneira.

“Ela tentou marcar um café, eu estava de ressaca e sugeri a gente se encontrar hoje. Acabei de trabalhar e fui à Ovelha Negra pra pensar um pouco na vida e fazer um happy hour/jantar daquele jeito de sempre. E não é que a danada apareceu por lá? Viu meu check-in no foursquare e chegou sem avisar. Estava realmente carente, puta da vida com o cara, morrendo de medo de se prejudicar no trabalho.”. “Aí você pegou, falou “não chore, princesa” e agarrou ela?”. “Claro que não, né. Providenciei umas tequilas e cervejas, falei algumas palavras de apoio e fui cantar no karaokê!”. Tom estava rindo, Jameson não podia acreditar, para ele isso era uma oportunidade perdida. “Eu já estava meio embreagado e na hora pareceu que a melhor coisa para animar ela era cantar alguma coisa. O problema é que eu lembrei de Marina quando vi Careless Whisper, aí fiquei emotivo e fui cantar a música. Grande amigo eu fui!”. “Porra, Tom. Que música brega! Teu gosto musical vai do bom ao ruim na mesma velocidade que meu carro vai de zero a cem!”. Tom interrompeu o discurso incendiado de Jameson com um longo “Eeenfiiiim… Eu estava na bad, ela estava na bad, tava uma desgraça sentimental só. Acho que até mandei bem, ensaiei em casa. Ela se levantou depois e cantou um Portishead bem carregado. Cara, que voz ela tem. Me arrepiei todinho. Ela cantou da maneira maneira mais sincera que já vi alguém cantar na vida. Aí ela acabou a música, sentou na minha frente me olhando, se levantou, deu um beijo na testa e foi embora. Fiquei sem saber o que fazer, pra onde ir. Ela me deu um nó na cabeça com estilo.”. Jameson entendia o que tinha acontecido, talvez entendesse até melhor que Tom, mas sabia que essa distração era melhor para o amigo do que as lembranças de um namoro que não deu certo. Preferiu não cortar as esperanças dele. “Putz… é complicado quando elas fazem isso. Abusam da sensualidade e deixam aquele gostinho de quero mais… Ela deu sinal de vida hoje?” “Deu nada, nem no Facebook. Eu dei uma bisbilhotada lá, admito! Deve estar trabalhando. A vida dela é corrida pra caramba.” “Claro que é, Tom, claro que é. Garçom, dois menus confiance por favor. Vamos ver o que esse chef tem de melhor!”. O cara era bom mesmo. Foi um dos melhores almoços que eles tiveram.

Tom 6

[Já leu Tom nº 0nº 1nº 2,  nº3nº4 e o nº5? Mudaram algumas coisas, principalmente a partir do 4.]

Tom rapidamente chegou em casa e não tardou a dormir. A mesma euforia que o álcool o dava era retirada algumas horas depois como se fossem as muletas de sua vontade de permanecer acordado, ele simplesmente não conseguia nem queria resistir. Dormiu e dormiu pesado. Era a madrugada de uma terça-feira e ele não tinha nada marcado para quando acordar. Isso era a melhor coisa do mundo. Não importava ter que trabalhar até meia-noite, o importante era simplesmente não ter uma hora para se levantar, deixar o seu corpo descansar o quanto ele acha que merece. Isso sim é vida, ele sabia.

Mais uma vez a noite de sono não foi das mais tranquilas. Os pesadelos o atormentavam mais uma vez, ele nem sabia por que. Na verdade, não conseguia lembrar de seus sonhos na maioria das vezes. Acabava tentando não se importar com isso ou o que quer que aqueles pesadelos dissessem, mas o mal estar permanecia por bastante tempo. De vez em quando ele achava que era a ressaca, mas provavelmente era os dois.

Levantou-se. Estava meio zonzo ainda, sentia uma dor de cabeça terrivel e a sede que secou o deserto do Saara. Porém isso pouco lhe importava no momento. Tinha uma ideia na cabeça, ideias para Tom vinham nos momentos mais inusitados. O importante era correr para não perder o pensamento, pois na mesma velocidade que chegavam eles sumiam. “Nunca soube porque deveria ser assim, eu que sempre te quis perto de mim, desde pouco tempo atrás, mas que parece uma eternidade”, ele sabia que não era bom de rima. Escrevia poesia e pensava em música, de vez em quando dava certo. Nem sempre era sincero no que escrevia, na maioria das vezes não importava, por que não deixar a imaginação guia-lo e levá-lo a um mundo diferente? Parecia tão óbvio… E ele escrevia sobre amor, era o instinto mais natural, que mais mexia com ele. Raramente tinha conseguido escrever alguma coisa que fugisse disso, na maioria das vezes funcionava e estava satisfeito. Ficou feliz por conseguir escrever logo duas letras. Quando vinha não dava para ser de uma vez só. Ele chegava ao ponto de se contrazier em cinco minutos, nada de novo. A imaginação era dele e mais de ninguém.

Agora sim podia ir atrás de consertar o que tinha de errado com ele: a sede e a dor de cabeça. E o cabelo que encrespava quando ele ir dormir sem tomar banho, genética triste. Ligou o som bem alto, era um vinil de Chuck Berry, tomou um remédio para dor de cabeça, entornou uma garrafa d’água e foi para o chuveiro, onde provavelmente acabou bebendo o dobro do que tinha bebido antes. Saiu do banho dez minutos depois, renovado. Não tinha nem mais remelas para reclamar, tudo parecia perfeito.

Ligou seu computador, viu que ainda eram 10h30 da manhã. Tinha tempo de sobra para colocar as coisas em dia e trabalhar. Quando a tela acendeu, seus primeiros reflexos foram olhar algumas notificações no Facebook para ver se alguém tinha falado dele ou com ele, procurar qual era a causa humanitária do dia em que poderia ajudar curtindo ou compartilhando a imagem a troco de imaginários cinquenta centavos, abominar algumas postagens que ele achava absurdamente desnecessárias e, enfim, colocar sua próxima música do desafio dos 365 dias colocando uma música que lembrava algum momento. Ele estava no 15º dia deste desafio e sabia que não chegaria ate o final. Tampouco se importava.

Rotina social feita, hora de olhar as catástrofes do mundo nos sites de notícia. Não que isso fosse mudar a vida dele, mas de vez em quando aparecia alguma coisa que ele achava importante. O mundo continuava uma desgraça, algumas notícias amarelas tentavam fazer um contraste, e no final das contas era mais do mesmo. Olhando a parte de tecnologia, o de sempre. Alguma empresa lançando alguma coisa, clamando ser algo único, revolucionário e must-have e ele sabia que não passava do mesmo besteirol de sempre. A tecnologia em alguns momentos andava a passos largos, mas na maioria das vezes ia steady as she goes, como ele gostava de dizer. Empresas comprando empresas, parecia até que elas tinham absorvido o comportamento humano de comprar e vender coisas, mas agora era em larga escala. Em uma reunião de poucas horas em algum lugar bastante luxuoso e com uma equipe de 15 pessoas era definido o futuro de dezena de milhares.

Na verdade, Tom achava que boa parte desse sistema estava errado. Não que as empresas não devessem comprar e vender outras empresas menores, mas estava tudo supervalorizado. Parecia que até os grandes presidentes, CEOs, CFOs, e outras siglas chiques, estavam caindo na lábia do produto único e revolucionário, super-ultra-mega-blaster tampa de crush. Davam milhões ou bilhões para coisas que não pareciam fazer muito sentido, até um site de receitas entrou na lista dos controlados do Google pela bagatela de alguns milhões. Tom imaginava o quão felizes deviam estar os fundadores. Era o suficiente para passar a vida sem stress algum. Não que isso fosse acontecer, pois na semana seguinte os caras estariam com alguma ideia e logo logo teriam um zilhão de problemas pra resolver, gastariam boa parte do que tinham ganho para uma tentativa de criar outro negócio que dê certo. Mundo louco, ninguém sabia aonde ia parar ou quando aquela bolha da criação em excesso ia acabar, nem Tom.

Sua barriga roncava e ele não tinha paciência de cozinhar hoje. Mandou uma mensagem para Jameson, seu grande amigo. Era Alice, a anjinha, de um lado, e Jameson, o diabinho, do outro. Os dois tinham tudo para não se gostarem, mas no final das contas acabavam se completando e sendo grandes amigos para Tom. “Brother, estou faminto. Numa ressaca do cão e sem paciência para cozinhar. Vamos comer alguma coisa?”. Jameson, outro compulsivo por tecnologia, logo respondeu “Com certeza! Saio da obra em 20 minutos e vou te pegar, pode ser?”. Ele era um engenheiro bem sucedido. Provavelmente ganhava o dobro de Tom e gastava quase tudo. Ele sabia curtir a vida, Tom adorava isso nele. Foi vestir-se para esperar seu amigo. Sempre pegava carona com ele, evitava dirigir porque sabia que não bastava ser um desastre no volante, também não tinha paciência para o trânsito. O assento do copiloto era seu lugar.

Tom 5

[Já leu Tom nº 0, nº 1, nº 2,  nº3 e nº4? Mudaram algumas coisas, principalmente o 4.]

Tom não sabia cantar. Isso não era novidade e pouco lhe importava no momento. Na verdade, nada importava, nem a música, pois parecia que ele estava perdido no tempo e no espaço ao cantar Careless Whisper, de George Michael, com a maior empolgação da sua vida. Estava eufórico e a música, por si só era depressiva. Não fazia sentido, mas o sax imaginário era mais forte do que a razão. Ele suava e estava feliz, sabia disso. Quando acabou a música, só três pessoas do quase vazio bar aplaudiram: os funcionários-amigos Reginaldo e Joab, e Roberta, que ainda estava sentada quando a música acabou, mas logo se levantou para pedir a vez no microfone. Ela ainda não estava no mesmo nível de transe de Tom, mas as tequilas estavam começando a surtir o efeito que ela queria.

Ela não estava tão animada como Tom. Colocou Sweet Times do Portishead. Era estranho como aquele Karaokê tinha algumas seleções inimagináveis. Deus sabia lá a quem Seu Juan tinha comprado ou como tinha colocado aquelas músicas. Ela sim sabia cantar. Assim que ela começou o refrão “cause nobody loves me… it’s true”, as pessoas começaram a prestar atenção de verdade. O sofrimento na voz dela era belo, acalmou o ânimo de Tom quase instantaneamente. Ela poderia até se chamar Marie ou ate mesmo Beth, de tão sincera que ela estava sendo. Uma aura foi construída no bar como nenhuma vez tinha sido visto. Normalmente pediam para cantar as músicas mais conhecidas, fossem as que tocavam na rádio no momento, fosse as que tinham tocado na rádio há decadas. “Who am I, what and why, cause all I have left is my memories from yesterday, on these sour times…”. As lágrimas escorriam dos olhos dela, mas o que ninguém prestava atenção era que Tom estava mais tocado ainda. A música caiu como uma luva em seus sentimentos que estavam inebriados pelas cervejas após o trabalho.

Ele sentava, olhava para ela. Não tinha outra reação a não ser segurar a sua cerveja com bastante força e segurar o choro. A música acabou. Todos aplaudiram de pé. Ela não tinha muitos motivos para comemorar, mas ficou feliz com a reação positiva. Todos ficavam, Tom sabia. O reconhecimento público é imprescindível para a realização de uma pessoa.

Roberta sentou, eles passaram alguns instantes sem se falar. Sorriram um para o outro, se encararam por mais alguns instantes. Reginaldo chegou com duas cervejas geladas, disse que era o melhor para não prejudicar a garganta e rapidamente se retirou. Tom estava encantado e parecia que nada mais chamaria sua atenção na noite. Roberta estava aliviada e sentia-se bem ao ver que tinham gostado de vê-la cantando. “Isso foi sensacional! Uau, nunca consegui me emocionar num karaokê. Não sei nem o que dizer..”. Tom parou, ia começar a gaguejar e sabia. Roberta abriu um pequeno sorriso e disse: “Tom, muito obrigada pela noite. Era disto que eu estava precisando. Se cuida…”. Roberta se levantou, deu um beijo na testa de Tom e saiu sem nem pagar a conta. Ela era mais rica que Tom, não era esse o problema. Era só a habitual provocação característica dela. Isso atiçava Tom, ele era um cara certinho.

Ainda ficou alguns instantes pensando na vida, quando chegou Reginaldo com a saideira e disse “É bronca… fantástica essa menina canta bem mesmo”. Tom tentou esboçar alguma reação, mas estava difícil. Sabia que era a hora de partir. O bar fechava e a vida tinha que seguir. Levantou-se. Ele não conseguia tirar a música da cabeça “Take a ride, take a shot now, ‘Cause nobody loves me, it’s true, Not like you do”, era quase um feitiço.

A cena de e-Sports atual: um [extenso] relato

Este texto era para ser um pequeno email introdutório aos participantes da mesa “A Indústria de games moderna e sua relação crescente com o showbusiness: uma revolução no mercado do entretenimento” que faz parte do III Seminário de Economia Criativa do Porto Digital, porém acabei me empolgando e meio que revisando e editando essa tradução que eu fiz há mais de um ano: Starcraft: trazendo atenção mundial aos e-Sports.

O texto é grande, mas pra quem tem interesse no assunto é um prato cheio. Pelo menos eu acho 🙂

Apesar de serem relativamente recentes, os jogos digitais têm evoluído de maneira expressiva nos últimos anos. Passamos de gráficos pitorescos e jogabilidade comprometida para um mundo em que quase não há limite em relação às possibilidades que podem ser exploradas pelos desenvolvedores de jogos. São diversas pessoas online, modos multiplayer com até milhares de pessoas interagindo simultaneamente, sensores de movimento e gráficos surpreendentes.

Em meio a todo esse processo e uma intensa profissionalização da indústria de games, um nicho vem se tornando evidente a cada instante que se passa. Os jogos, que desde sempre instigaram a mente humana por estarem em sua grande maioria associados à competição com outras pessoas, tornaram-se atração digna de espetáculo. Além do interesse em competir, palavra-chave deste fenômeno, uma outra característica tem emergido: um grande público sedento por presenciar tais torneios, abraçar times e vibrar a cada vitória.

Não somos apenas mais torcedores dos esportes tradicionais, que voltam a centenas e alguns a milhares de anos de prática. Há um grande público interessado no que está sendo comumente chamado, apesar de sua devida controvérsia levantada por alguns que se prendem ao conceito “analógico” do termo “esporte”, de e-sports, ou Esportes Eletrônicos, uma vez que são ligados impreterivelmente à competição através de uma relação quase perfeita entre coordenação motora e reflexos ágeis à estabilidade mental, ao raciocínio rápido e o trabalho em equipe.

Aproveitando o nascimento desta nova cultura, as desenvolvedoras de jogos começaram a investir pesado no que parecia ser o correto para o futuro dos jogos. O começo foi bastante árduo, uma vez que o conceito novo não era tão fácil de ser assimilado pelo público em geral e o país que recebeu os e-sports e foi responsável por grande parte do seu desenvolvimento foi a Coreia do Sul, que estimulava a sua população ao uso dos computadores e da internet através das LAN houses ou PC bangs como são chamadas lá. Os sul-coreanos logo demonstraram interesse em jogos e, consequentemente, foi sendo criada uma cultura gamer que se estabeleceu com tanta força que hoje em dia a Coreia do Sul também é chamada de Meca dos Games.

Ao mesmo tempo em que o Ocidente ainda engatinhava com torneios de menor impacto e restrito a nichos de gamers mais dedicados e interessados nesta nova cultura, a exemplo da WCG – World Cyber Games, a Coreia do Sul realizava torneios a nível nacional com a participação de centenas de competidores, grandes premiações e eventos com produção digna de uma cerimônia do Oscar.

A dedicação e a competência do público asiático despertava a atenção de vários gamers do Ocidente, que muitas vezes varavam a madrugada para acompanhar campeonatos realizados em fuso horários invertidos. Lentamente, através de alguns competidores pioneiros, ou progamers – professional gamers, como também são chamados, que, perseguindo seus sonhos de viver o mundo dos games e seus torneios, foram viver na Coreia do Sul.

Com o passar do tempo, devido à evolução tecnológica e à sensível melhora na qualidade das conexões à internet, o mundo todo podia acompanhar, cada pessoa de sua casa, os campeonatos mais emocionantes de jogos como Starcraft, Warcraft III e Counter Strike.

Na Global Starcraft League, GSL, que liderava nos quesitos de organização e público, chegando ao cúmulo de que canais privados de televisão no país compravam os direitos de transmissão para tais eventos e a formação da KeSPA – Korean e-Sports Association, ligada ao Ministério de Cultura, Esportes e Turismo do governo coreano com o objetivo de regulamentar a prática de jogos eletrônicos, os torneios e todo o sistema que o envolvia.

Os times formados estavam cada vez mais profissionais e, por isso, obtinham patrocínios de empresas de renome no mercado, como grandes empresas de telefonia e de tecnologia. Também foi observado que os times que treinavam juntos fisicamente conseguiam um resultado melhor, sendo possível a organização de horários de treino e um maior espírito de equipe. A resposta disso foi a criação das gamer houses (casas administradas por um time e sustentadas através do dinheiro de patrocinadores e/ou prêmios conquistados e que abrigava todos os membros da equipe).

De apartamentos na Coreia do Sul abarrotados de beliche e condições que nem sempre eram ideais, com horários de jogo muitas vezes considerados nocivos, uma vez que alguns times faziam seus jogadores praticar de 12 a 14 horas por dia principalmente quando havia algum torneio em vista, à mansão da Curse Gaming, filiada ao portal de notícias sobre jogos eletrônicos Curse, no valor de U$2 milhões e câmeras em vários cômodos da casa no melhor estilo Big Brother, a maneira como nós observamos os games está cada vez mais diferentes.

Aqueles que perseveraram e conseguiram mostrar capacidade de se superar a cada partida, de inovar contra estratégias tidas como invencíveis e por fim ganhar vários torneios, ganharam status de celebridade. Pessoas como o sul-coreano Lim “BoxeR” Yo-Hwan tinham contratos que chegavam a U$400.000,00 por ano e eram ovacionados por seus fãs – que em certo momento chegaram a ser mais de 1 milhão em seu fã clube oficial – a cada vez que apareciam ao público.

Outros ex-jogadores, como o americano Sean “day[9]” Plott, vislumbraram a carreira de narradores e gurus especializados nos jogos com os quais se identificaram. Armados de comentários e insights inteligentes, um grande carisma e disposição para investir várias horas em neste novo “trabalho”, alguns narradores de maior sucesso, a exemplo de Sean, seu irmão Nick “Tasteless” Plott – que há anos faz dupla com Dan “Artosis” Stemkoski e que foram contratados para viver na Coreia do Sul e narrar na língua inglesa os campeonatos lá realizados, também encontraram uma maneira de viver e viraram, de sua maneira, uma outra atração para o “show”, ganhando cachês para narrar os maiores campeonatos de e-Sports do mundo.

Concomitantemente a este fenômeno, o público estava sedento de ter um acesso físico a tais torneios, pois por mais divertido que seja acompanhar os eventos na televisão ou através de transmissões na internet, há um fator que é insubstituível: o efeito da aglomeração humana em torno de um interesse mútuo. Desde o Carnaval a um show de música, não há nada como estar junto a pessoas que compartilham de um mesmo interesse, que gritam a cada partida ganha e oponente derrotado.

Na Meca dos Games chegaram a haver finais de campeonato nas areias das praias, com enormes palcos e telões de transmissão e públicos de mais de 120 mil espectadores vibrando pelos atletas. Por sua vez, o Ocidente soube identificar a tendência e, principalmente nos Estados Unidos, houve uma grande difusão da cena profissional e dos torneios.

De maneira mais amadurecida, a World Cyber Games tomou corpo e ganhou proporções maiores, com cerimônias de abertura inspiradas nos Jogos Olímpicos e centenas de atletas de diversos países participando. Um visionário empreendedor norte-americano chamado Sundance DiGiovanni criou a Major League Gaming inspirada nas Major Leagues americanas que toma forma como um evento intinerante que visita várias cidades do país reunindo milhares de pessoas por evento e distribuindo dezenas de milhares de dólares em prêmios. Um outro ótimo evento para exemplificar a grande importância dos esportes eletrônicos é a série de campeonatos Intel Extreme Masters, patrocinada pela fabricante de hardware Intel. São vários campeonatos realizados em várias regiões do planeta e que culminam num evento final que distribui alguns dos maiores prêmios já vistos.

Em meio a todo este turbilhão de acontecimentos e com a consequente popularização dos esportes eletrônicos, o oligopólio de empresas como a Blizzard (Starcraft I e II, Warcraft III) e a Valve (Counter Strike) foi sendo diluído com novos players no mercado, como a Riot Games (League of Legends), Activision (Call of Duty), Microsoft (Halo), Capcom e Namco (Jogos de luta).

Responsável pelo desenvolvimento de um dos maiores sucesso da atualidade, a americana Riot Games em pouco mais de 3 anos de existência conseguiu desenvolver não só um jogo que consegue atrair um público massivo de dezenas de milhões de pessoas, mas que também as cativa de maneira impressionante, a Riot é uma das maiores entusiastas dos esportes eletrônicos, com seus óbvios motivos.

De maneira paralela à maneira “normal” de se jogar o League of Legends, os melhores times são convidados para jogar os campeonatos realizados pela Riot Games. Os prêmios são dos maiores que se podem encontrar no mercado, com o evento final da segunda temporada distribuindo U$2 milhões e um público de aproximadamente 8500 pessoas lotando um ginásio de basquete da University of South California adaptado a uma estrutura de show impressionante, além da transmissão pela internet para um público que chegou a 1,1 milhão de espectadores simultâneos (isso sem contar que, por exemplo, na minha casa éramos 5 assistindo!). Já se foi divulgado pelos diretores da empresa que na terceira temporada o objetivo é prover sustento financeiro para os jogadores que se qualificarem para participar do campeonato oficial, mostrando cada vez mais o comprometimento que as desenvolvedoras têm e o retorno obtido com os e-Sports.

Um fato nem sempre conhecido é que o League of Legends tem como seu produtor principal Steve “Guinsoo” Feak, que foi o criador do mapa/modificação do jogo Warcraft III chamado Defense of the Ancients Allstars, ou DotA Allstars, um grande sucesso jogado por centenas de milhares de pessoas. Com a saída de Guinsoo e seu projeto para criar um jogo independente baseado no seu sucesso, a comunidade que jogava DotA não deixou o o game morrer e, através do seu mantenedor, o até hoje anônimo IceFrog conseguiu ainda elevar o sucesso do mapa, a ponto de que a empresa Valve, que há muitos anos é parceira de negócios da Blizzard, a desenvolvedora do popular Warcraft III, obteve os direitos para desenvolver e publicar a continuação do DotA.

Após vários anos de muita expectativa, o DotA 2 foi lançado com grande alarde e investimento em sua divulgação. O ápice disso foi o campeonato realizado em comemoração ao lançamento do jogo que distribuiu U$1,6 milhão de dólares, sendo apenas U$1 para o time ucraniano Natus Vincere em seu primeiro torneio anual The International.

A consolidação de uma cena em que os esportes eletrônicos se tornaram uma maneira de viver e uma forma de entretenimento para o público não se restringe apenas aos jogadores, narradores, donos de equipe e patrocinadores, ela fomenta algo muito maior. Na produção destes eventos estão envolvidas centenas de pessoas de diversas formações, como produtores de evento, operadores de vídeo, áudio e iluminação, jornalistas e relações públicas, seguranças, etc. Através de um mote como os e-Sports é desenvolvido ao seu redor um ecossistema de suporte.

A Major League Gaming inovou neste aspecto de desenvolvimento em infraestrutura de evento após uma de suas edições, a MLG Dallas 2011, ter problemas com a conexão à internet e prejudicar o andamento dos torneios. Para evitar que isto acontecesse outra vez, foi contratada a mesma empresa de internet via satélite que proveu conexão para a transmissão ao vivo do casamento do Príncipe William e Kate Middleton para todo o mundo, mostrando mais uma vez que os eventos têm poder e tem uma demanda que justifica tais investimentos.

Outra forma de negócio absorvida pelos e-Sports foi a criação de portais para a transmissão online de jogos realizada de maneira independente por cada jogador/broadcaster que queira fazê-la. Este fenômeno, que de certa maneira é um videolog ao vivo e interativo, levou várias pessoas a tentarem obter a fama e terem um lugar dentro da indústria dos games. Muitos dos narradores e comentaristas que hoje em dia são contratados por desenvolvedoras ou eventos começaram da maneira mais simples possível através da transmissão realizada em sua própria casa.

Os últimos 3 anos foram excepcionais para a quem soube fazer uso disso. Empresas que preferiram investir em jogos na maneira tradicional, sem tentar engajar seu público de maneira mais ampla, muitas vezes não tiveram o sucesso que poderiam ter tido caso tivessem tomado um rumo diferente. Ou não, uma vez que nem todo jogo é adaptável a experiências ao vivo como no caso da “tríade” atual Starcraft II (estratégia single-player, comparável em sua devida proporção ao xadrez), League of Legends (ação/estratégia, comparável em sua devida proporção ao futebol americano) e Counter Strike (tiro em primeira pessoa, comparável em sua devida proporção ao paintball).

No mundo dos e-Sports mais uma vez o Brasil engatinha, pois, por diversos fatores, as condições para o desenvolvimento da cena não são tão favoráveis quanto em outros lugares. Em vários outros países, principalmente na Ásia, há um certo entendimento sobre a importância dos jogos na vida de várias pessoas e as possibilidades de se almejar uma carreira no mundo dos games. No Brasil há um fluxo muito bem consolidado na criação de uma pessoa, que vai seguindo escola-cursinho-faculdade-estágio-emprego, nem sempre sobrando o tempo necessário para se poder perfeccionar o jogo ao mesmo nível em que outros conseguem pelo mundo. O segundo fator, que está sendo superado à medida do possível é em relação à localização dos servidores e a latência (tempo de resposta do comando enviado do computador ao servidor do jogo e o caminho inverso) que varia de acordo com a distância. Por serem os principais centros de desenvolvimento e operação, os Estados Unidos e a Europa, com uma devida parte na Ásia também, são os principais pontos de localização, provendo uma experiência superior aos que moram mais perto e o inverso para quem está mais distante.

Os brasileiros, desde o começo dos torneios profissionais lutaram bastante contra isso e eventualmente acabaram, na medida do possível, superando tais adversidades, ainda que parcialmente. Um fator importante a ser observado é o comportamento do público brasileiro, que tende a ser entusiasta de novos jogos que estão na “moda” e consumir o conteúdo que é produzido. Tal fenômeno é constatado a partir do momento em que a jogos começam a ser licenciados para empresas brasileiras como a Level Up Games e o investimento maciço que a Riot Games fez para criar um servidor exclusivo para o Brasil, com a instalação de um escritório em São Paulo e serviços de localização de conteúdo, onde o que é produzido não é só traduzido, mas também é trabalhado um contexto de identificação com o público, como sotaques e conhecimento geral local.

O maior sucesso obtido nos e-Sports brasileiros foi a vitória do time Made in Brazil na ESWC 2006 – Electronic Sports World Cup, realizada em Paris, na França. Na ocasião, os atletas da MiBR venceram grandes nomes do cenário internacional de Counter Strike e foram responsáveis por trazer mais interesse à cena de esportes eletrônicos no Brasil, sendo o único título brasileiro em um campeonato mundial deste game. Nas WCG o país tem mantido forte sua tradição em títulos de futebol (série FIFA), jogos de corrida (séries Need for Speed) e sinuca (Carom 3D).

Mais recentemente algumas empresas, principalmente de lojas de informática com foco no consumidor gamer, a exemplo da FireGamers e Gamer House, criaram seus times, oferecendo patrocínio em troca da divulgação de seus nomes. Também seguindo a tendência, fabricantes de periféricos para games (mouse, teclado, headphones, joysticks, etc.) e componentes de computador, como a Razer, Corsair e a brasileira X5 Computadores, começaram a investir nos times brasileiros.

É incrível que nos pouco mais de 2 anos que eu tenho acompanhado isto mais de perto tanta coisa tenha acontecido. Apesar de haver um background riquíssimo em informações, várias delas estão aí em cima, há um futuro ainda mais próspero para a cena de e-Sports global.

* ironicamente, 90% deste texto foi escrito de maneira “offline” enquanto eu estava no avião vindo aqui para São Paulo para participar da Campus Party e, muito obviamente, da Intel Extreme Masters. Depois aqui no hotel revisei e adicionei algumas citações para deixar o conteúdo mais completo.

Ugo “Storydor” Portela Pereira.

Ode à mazela

[mazela, no meu palavreado coloquial remete a preguiça, falta do que fazer, tédio]

Chega mais uma sexta-feira assim como poderia chegar mais um feriado ou recesso do trabalho.  Ela demora, mas chega. E a felicidade que vem anexa é incrível e até revigorante depois de uma cansativa semana, de um cansativo ano.

A primeira vontade que se tem é de fazer tudo que era desejado e não podia ser feito. Principalmente as coisas mais animadas e que nos custam mais energia, festas, beber, jogar, etc. Buscamos a exaustão física e mental.

Porém, para mim, o mais importante de um momento em que estou sem trabalhar, é chegar ao estado de mazela. É como ficar em transe após uma meditação feita por algum monge budista que pratica isso há anos. A mazela, a assim como a meditação, é o momento em que não se tem em mente mais nada. Não se pensa em movimentar, não se pensa em se preocupar ou em querer fazer alguma coisa, no fim das contas, não se pensa.

A mazela é o tudo gerado a partir do nada, a maneira de se relaxar da maneira mais completa possível. De se constatar que não há mais nada a se fazer e ficar contente com isso.

Porém, assim como a meditação, a mazela chega a um ponto que irrita e causa angústia, mas este é o exato momento em que a mente chega à conclusão de que está recuperada e pronta para mais uma exaustiva jornada em busca de gastar cada ponto de energia e fazer o corpo implorar, mais uma vez, pela sua querida mazela.

Ugo.

Ellie Goulding – Lights [ajuda a relaxar]

Ensaio sobre a efemeridade de uma certa juventude

Há pouco mais de 6 meses fui agraciado com a volta de uma amiga do reino dos relacionamentos sérios [estava namorando/encoleirada, reduziu o número de pessoas com quem conversava e consequentemente sumiu até o namoro acabar]. Voltando a conversar e sair com ela, fui introduzido a uma realidade que não era tão explícita para mim antes. Algo tão diferente que nesse tempo me fez pensar e tentar compreender e que ultimamente me rendeu a coragem/vontade/conhecimento-necessário para criar este texto.

Esta juventude em questão se refere a, principalmente, um público entre 17 e 23 anos que habita o cenário LGBT [de maneira mais direcionada as festas Golarrolê, que têm esse foco apesar de uma abordagem mais “leve” e não excludente] e que em grande parte não consegue se identificar com o movimento/ideologia de maneira direta, ao contrário de outras pessoas que conheço que são mais engajadas, que têm uma visão mais acertada sobre esta questão.

São pessoas que, de certa maneira, vivem essas festas [estou generalizando em cima de uma festa, mas tem várias outras similares e isso pode acontecer em qualquer outro canto também] como se fosse Carnaval, onde basicamente ninguém é de ninguém [no mundo dos solteiros e dos relacionamentos abertos]. Eu não tenho o menor problema com isso, o pessoal está sendo feliz e aproveitando a vida como lhes convém, é bastante claro isso.

Porém o que me provoca a cabeça é a questão de que estamos vivendo em uma sociedade bem mais aberta do que nas décadas passadas e que as pessoas têm menos problema em assumir suas posições, gostos e preferências sobre qualquer coisa, mas mesmo assim eu vejo que ainda há uma conexão predominantemente heterossexual no meio de todo esse carnaval bi/pan/hetero/homossexual . Obviamente o mais incerto que se tem a fazer é generalizar e afirmar que todo mundo é de um jeito, porque com certeza ninguém é. O meu ponto é que, pelo que tenho observado nesses breves 6 meses, que podem ser pouco para formar um pensamento sobre isso, mas isto aqui é meu ensaio [O termo ensaio deve-se a Michel de Montaigne (1533-1592), que publicou o seu livro «Les Essais» em 1580, e representa um género literário caracterizado, na sua origem, por um estilo dialogante, intimista, divagante e não sistematizado, baseado na liberdade individual, na reflexão sobre os negócios do mundo, e na busca de um pensamento original] – esse entrelúdio foi grande – o meu ponto é que eu vejo num futuro breve boa parte deste pessoal voltando a ter relacionamentos mais sérios e que serão com o sexo oposto.

Não é um desejo próprio, apesar de preferência própria, mas é o que identifico como tendência neste aspecto. De várias amigas que conheci e conversei sobre recentemente, há um certo pensamento coerente com isso e que algumas outras vezes fica de maneira mais “em cima do muro” com o argumento de que o que importa é a pessoa, independente do sexo. Eu acho isso na verdade, acho isso o mais certo no final das contas. Porém eu acredito que, por razões biológicas/etnológicas/sociológicas/blablabla, acabarão tendendo por esse caminho mais tradicional.

Seria por que é mais fácil? Também. Seria por que é biologicamente certo [favor não entrar na discussão de que há sexo bom em qualquer modalidade, isso não é novidade, mas, de maneira bem simples, homem com homem e mulher com mulher não fazem filhos – isso é biologia, não credo pessoal]? Também. Porém no final das contas eu acho que é mais confortável. Apesar de cada pessoa ser uma pessoa diferente e de cada caso ser um caso, a tendência das personalidades serem definidas também pelo sexo, e daí também o fato de recebermos influências culturais a cada instante e que acabam por nos moldar, faz com que voltemos ao clichê da mulher mais meiga, vaidosa e delicada e do homem mais firme e confiante que acaba por conduzir o relacionamento [meio análogo ao que eu acho que quer dizer modos de macho/modinhas de fêmea]. Não estou falando da história de homem da casa, de prover financeiramente, etc. Estou falando da condução de um relacionamento. Tem casal que troca os “papéis” [nossos esteriótipos culturais]?  Tem e bastante, conheço até alguns casos de submissão quase completa à mulher. De vez em quando é até romântico, mas de vez em quando beira ao ridículo por causa do excesso de poder que é dado à outra pessoa [e excesso é ruim em qualquer caso].

Outra coisa importante de abordar, que eu quase que pulava, mas acho relevante e que ajuda a concluir este ensaio/diálogo-mental, notar que essa idade “jovem-adulta” é uma transição entre a adolescência e à idade adulta, onde apesar de já terem surgido responsabilidades, como o estágio/emprego, contribuir com alguma coisa em casa, nem que seja fazendo as compras do mês, tendo um carro para “cuidar”, ainda é mesclada aquela sensação de rebeldia/liberdade/deus-dará-na-micareta/necessidade-de-experimentar que vem da adolescência.

É uma urgência natural e saudável de se sentir mais livre e de ir atrás do que, se não era proibido, era pelo menos evitado, num exemplo mais simples as bebidas e experimentações sexuais fora do “padrão”. Padrão este que está sendo até mudado. Já vi alguns casos de que as meninas mais novas experimentam mais entre si do que com meninos de verdade, talvez pelo fato de que se sentem mais à vontade e menos expostas no seu próprio grupinho do que “lá fora” com os temíveis meninos [que normalmente estão com mais medo ainda].

É importante experimentar, é importante ir atrás do que se tem interesse e, no final das contas, criar e chegar a uma conclusão do que é o seu gosto pessoal em relação a  tudo na vida, apesar de muitas das coisas acabarem por ser efêmeras e transitórias [assim como eu gostava de axé quando tinha 7 anos] e outras serão verdadeiras e duradouras.

Ugo.

Kudu – Death of the Party [tá pra aparecer um cd mais coerente com essa temática.]